A relação que há entre alimentos e bactérias é bem antiga e, dependendo do ponto de vista, ela pode ser considerada desejável ou não. Um dos mais conhecidos resultados deste relacionamento é a fermentação e, quando nos referimos aos produtos lácteos, muitos consumidores já sabem qual a personagem principal envolvida no processo: as bactérias láticas.

No entanto, se engana quem acha que é somente para os derivados de leite que esses microrganismos são utilizados, o envolvimento deles na indústria de alimentos é bem vasto e, ano após ano, pesquisas vêm sendo desenvolvidas para inseri-los em novas aplicações.

Ficou interessado no tema? Acompanhe-nos até o final e conheça mais sobre a utilidade das bactérias láticas nas indústrias alimentícias!

Quem são as Bactérias Láticas?

Também chamados de bactérias ácido láticas, esses microrganismos são naturalmente encontrados nas superfícies de plantas, no leite e no trato digestório de animais, incluindo dos seres humanos. 

Como a maior parte de suas espécies não são patogênicas estas bactérias são reconhecidas pela FDA (Food and Drug Administration) como GRAS (Generally Recognized As Safe), por isso são bastante utilizadas na indústria alimentícia para a obtenção de diversos produtos.

Morfológica e metabolicamente, as bactérias láticas possuem características específicas que as diferenciam de outros microrganismos, assim, os pesquisadores conseguem realizar seu isolamento da natureza, sua caracterização e sua identificação. Confira alguns desses atributos logo abaixo:

  • possuem forma de bacilos, cocos ou cocobacilos;
  • são Gram-positivas;
  • apresentam catalase negativa;
  • não formam esporos.

Dentre todos os atributos dessas bactérias, o mais relevante é também o motivo de terem recebido o nome que carregam até hoje e consiste na produção do ácido lático como produto gerado durante o processo fermentativo que realizam.

Nas indústrias de alimentos os gêneros mais utilizados são: Lactobacillus, Streptococcus, Lactococcus e Leuconostoc.

Bactérias láticas: Streptococcus thermophilus (a) e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus (b).
Figura 1. Streptococcus thermophilus (a)e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus (b).
Fonte: Science Photo Library.

A Fermentação Lática 

Desde a antiguidade, os seres humanos utilizam a fermentação como forma de conservar e obter alimentos.

No início não entendiam a complexidade que envolvia este processo, mas com o passar dos anos conseguiram estudá-lo e desenvolver técnicas de aperfeiçoamento.

Na indústria alimentícia, a fermentação do tipo lática ganha maior visibilidade nos produtos derivados do leite e nos embutidos fermentados, apesar de também ter destaque nos alimentos com apelo probiótico.

Podemos citar como exemplo os queijos, picles, iogurtes, salames, leites fermentados e, recentemente popularizado, o Kefir. Cada um desses produtos possui características sensoriais próprias – como cor, sabor e aroma – devido ao processo fermentativo. 

Para realizar esta fermentação as bactérias láticas utilizam o substrato do meio que serão inseridas. Nos produtos lácteos é comum não haver a adição de outros açúcares, então a própria lactose presente no leite será consumida pelos microrganismos.

Dependendo dos compostos obtidos ao final da fermentação, as bactérias são divididas em dois grupos: as homofermentativas e as heterofermentativas.

O primeiro grupo é assim chamado por produzir como único ou principal composto o ácido lático (responsável pelo sabor azedo nos produtos em que está presente).

Já o segundo grupo consegue, além do ácido lático, produzir outros compostos como o dióxido carbônico (CO2), o etanol e o ácido acético.

Você talvez já esteja se perguntando como é feita a escolha da espécie bacteriana para realizar a fermentação lática e, de forma geral, isso é realizado considerando três fatores:

  1. as características organolépticas desejadas para o produto final;
  2. as condições dos processos que esses microrganismos terão que enfrentar – como pH do meio e temperatura do sistema;
  3. e o tipo de açúcar que servirá de substrato para as bactérias.

O Uso das Bactérias Láticas na Indústria de Alimentos

A indústria alimentícia faz uso das bactérias láticas de três principais formas: como cultura starter, probiótico e bioconservante. Vamos detalhar mais a seguir.

Cultura Starter

As bactérias láticas são largamente utilizadas como cultura starter nas indústrias de laticínios e de embutidos fermentados.

Esse termo, talvez desconhecido por você, pode ser definido como: preparações com microrganismos vivos ou em estado latente que se desenvolvem pela fermentação de um determinado substrato presente no meio.

O principal objetivo dessas culturas é proporcionar uma fermentação controlada que, diferente de uma fermentação espontânea, consegue:

  • selecionar os microrganismos fermentadores;
  • diminuir o tempo de fermentação;
  • padronizar as características sensoriais do produto final;
  • diminuir a ocorrência de off-flavors (sabores e odores desagradáveis);
  • aumentar a segurança biológica do produto.

Comercialmente, as culturas starters são compostas por mais de uma espécie de microrganismo visando somar as ações de cada um para obter um produto com os atributos desejáveis. Além disso, elas podem ser encontradas na forma congelada ou liofilizada, que é a mais comum.

Infelizmente, poucas empresas brasileiras fabricam essas culturas, sendo mais fácil para as pequenas e grandes indústrias de produtos fermentados as importarem de empresas estrangeiras.

Probióticos

Nos últimos anos, descobertas científicas que vinculavam o surgimento de doenças crônicas na população mundial com determinadas dietas impulsionaram o consumidor a buscar uma alimentação mais saudável.

Esse novo comportamento foi capaz de criar uma tendência mercadológica chamada de Saudabilidade e Bem-Estar, que até hoje não para de crescer.

Um dos ramos mais desenvolvidos desse setor se refere aos produtos benéficos à saúde gastrointestinal, motivo pelo qual os probióticos se tornaram tão populares.

Como a grande maioria desses alimentos são derivados da fermentação lática, muita gente acha que qualquer produto feito com as bactérias desse processo é considerado um probiótico, mas não é bem assim.

Em primeiro lugar, nem toda bactéria lática tem efeito probiótico, para que ela assim seja considerada é necessário:

  • sobreviver às condições adversas do produto e do trato gastrointestinal;
  • colonizar o intestino, mesmo que temporariamente;
  • proporcionar benefícios à saúde do hospedeiro.

O desafio tecnológico dessa área está em desenvolver formas eficientes para manter os microrganismos vivos e funcionais no produto, mesmo passando por processos industriais agressivos.

Uma das formas que vem ganhando força é o microencapsulamento, pois ele ajuda a isolar as bactérias do ambiente adverso do produto e do trato gastrointestinal.

Alguns exemplos de bactérias láticas probióticas são as espécies Lactobacillus paracasei e Lactobacillus plantarum.

Bioconservante

A bioconservação é uma técnica que visa substituir o uso de conservantes artificiais e estender o shelf-life do produto, novamente atendendo à tendência de Saudabilidade e Bem-Estar.

As bactérias láticas têm um grande potencial tecnológico para serem utilizadas dessa forma, pois durante a fermentação são capazes de produzir compostos antimicrobianos que inibem o desenvolvimento de microrganismos indesejáveis (patogênicos e deteriorantes).

Os ácidos orgânicos – como o ácido lático e acético – e o peróxido de hidrogênio são exemplos desses antimicrobianos, no entanto, são as bacteriocinas os compostos que têm despertado o interesse da indústria de alimentos.

As Bacteriocinas podem ser definidas como pequenos peptídeos ou proteínas com ação inibitória contra patógenos alimentares como Listeria monocytogenes, Clostridium botulinum e Staphylococcus aureus.

Uma das mais conhecidas é a nisina que é produzida por linhagens da Lactococcus lactis subsp. lactis.

Para que o uso de desses compostos puros seja liberado para utilização direta em alimentos, alguns requisitos legais e burocráticos devem ser atendidos, por isso, a aplicação das culturas bacteriocinogênicas nos alimentos pode ser mais interessante para a indústria, já que não é necessária de aprovação legal para ser incorporada.

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Conclusão

Quando se trata da relação entre microrganismos e alimentos, o assunto é vasto e recheado de detalhes.

As bactérias láticas já são largamente utilizadas nas indústrias como forma de obter e prolongar a vida de prateleira de certos alimentos, no entanto, ainda possuem um potencial biotecnológico a ser explorado por esse setor.

A indústria de alimentos está atrás de profissionais tanto dedicados quanto visionários, e esse tema é uma boa oportunidade para pensar fora da caixinha, principalmente se você atua ou deseja atuar com esses microrganismos.

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Existem inúmeras inovações e descobertas a serem realizadas, por isso, se você gostou deste tema não perca tempo e vá atrás de outros materiais que te auxiliem a aprimorar seu conhecimento!

Autoria da redatora do Ifope:
Amanda Pereira Texeira