Com este artigo, você vai obter informações importantes a respeito dos processos fermentativos que fazem parte da tecnologia de bebidas fermentadas e conhecer um pouco mais sobre as Legislações que englobam tais produtos no Brasil.
As bebidas fermentadas atravessaram milhares de anos e estão presentes até hoje no cardápio de pessoas do mundo inteiro. Em tempos passados, pouco se sabia sobre o fenômeno que conduz a transformação de matérias-primas comuns em líquidos muitas vezes considerados sagrados e preciosos. No entanto, através do trabalho de diversos estudiosos ao longo da história, a tecnologia de bebidas fermentadas pôde ser desvendada e otimizada continuamente por profissionais de múltiplos setores.
O que é fermentação?
Atualmente, o conceito da fermentação no setor tecnológico é definido como um processo bioquímico utilizado por certos microrganismos para obtenção de energia celular e produção consequente de compostos desejáveis para o ser humano, podendo ocorrer com ou sem a presença de oxigênio.
Quando se trata da elaboração de bebidas, esse processo pode ocorrer de forma espontânea ou controlada, a diferença entre essas duas vias está nas condições externas em que a fermentação é submetida e na variabilidade dos microrganismos presentes.
Forma espontânea
No modo espontâneo a fermentação dos ingredientes ocorre através de microrganismos “selvagens”, ou seja, aqueles que se encontram naturalmente presentes na matéria-prima e no local de produção, sem um controle exato de fatores como a temperatura do processo.
A interação de leveduras, bactérias e, até mesmo, fungos filamentoso traz uma maior complexidade bioquímica muito interessante, uma vez que possibilita obter compostos que agregam sabores e aromas desejáveis ao produto final, que seriam difíceis de alcançar em uma fermentação sem uma variedade de espécies. Apesar disso, as chances de surgirem off-flavors (sabores e odores desagradáveis) nas bebidas preparadas desta maneira são bem maiores.
Forma controlada
Na fermentação controlada, há uma seleção a respeito dos microrganismos que atuarão no processo como forma de inibir o desenvolvimento de seres indesejáveis no produto.
Para isso, os produtores fazem o controle estrito da temperatura que a fermentação será submetida e, antes que se inicie o processo fermentativo, inoculam certas leveduras ou bactérias que dominarão sobre as espécies naturalmente presentes. Desse modo, possíveis off-flavors só aparecerão se houver alguma falha durante o processamento.
Os Tipos de Fermentação Envolvidos
Os metabólitos ou compostos gerados em qualquer bebida fermentada variam de acordo com:
- a espécie do microrganismo utilizado;
- tempo e temperatura de fermentação;
- pH;
- e nutrientes presentes no meio.
Eles podem ser divididos em primários (são compostos diretamente envolvidos no crescimento das células microbianas) e em secundários (são compostos de maior complexidade, produzidos a partir dos metabólitos primários).
Nas bebidas, substâncias desta segunda classe são as principais responsáveis pelo odor, coloração e sabor final, podendo ser desejáveis ou não.
Baseando-se na vasta tecnologia de bebidas fermentadas, existem quatro tipos de fermentação que podem ocorrer em conjunto ou separadamente, dependendo do produto desejado, são elas: a alcoólica, lática, acética e malolática.
Fermentação Alcoólica
Conhecida por sua participação no desenvolvimento de bebidas fermentadas – como cervejas, vinhos e hidroméis – e destiladas – a exemplo do rum, cachaça e uísque, este perfil de fermentação consiste numa série de reações desempenhadas majoritariamente por leveduras e algumas bactérias.
O objetivo é obter como produto principal etanol (álcool etílico) e gás carbônico (CO2).
Os microrganismos em questão são capazes de sintetizar os compostos citados através do consumo de açúcares, que podem ser fornecidos pela própria matéria-prima utilizada na fermentação.
Como o principal componente tóxico para as leveduras durante esse momento é a alta concentração de etanol acumulado, as bebidas puramente fermentadas possuem um teor alcoólico que geralmente variam até 14%. Portanto, para conduzir com eficácia o processo fermentativo, a escolha da cepa que iniciará esta etapa é fundamental.
Habitualmente, as leveduras mais empregadas são da espécie Saccharomyces cerevisiae e a cada ano que passa mais pesquisadores se esforçam para desenvolver novas cepas dessa levedura, em busca de uma elevada velocidade de fermentação, maior resistência à toxicidade do álcool e alto potencial de adaptação em condições variadas.
Fermentação Lática
Na indústria de bebidas, as características desse tipo de fermentação têm maior visibilidade nos produtos derivados do leite e de apelo probiótico, como o leite cultivado ou fermentado e o Kefir. Neles, quando não há adição de outros açúcares, a lactose atua como substrato principal das bactérias conhecidas como láticas ou ácido-láticas para a obtenção do ácido lático, produto de maior importância ao final do processo.
Esta via fermentativa também pode ser encontrada na elaboração de bebidas que façam uso de outras fontes de matéria-prima, como o Aluá e as Sour Beer, atuando como probiótico e/ou para compor as características sensoriais dos produtos. Entretanto, em alguns processamentos, como o das cervejas tradicionais, as bactérias láticas podem ser consideradas contaminantes por inibirem o desempenho de leveduras, a exemplo da Saccharomyces cerevisiae.
As bactérias mais utilizadas na fermentação lática pertencem ao gênero Lactobacillus, Lactococcus e Streptococcus. A escolha da espécie varia com o tipo de açúcar que servirá de substrato, a temperatura empregada ao sistema e os compostos finais desejados, já que algumas delas – chamadas de heterofermentativas – são capazes de produzir também etanol, CO2 e ácido acético.
Fermentação Acética
Os principais agentes dessa fermentação são conhecidos como bactérias acéticas ou acetobactérias. Apesar de serem mais divulgados por seu desempenho na produção de vinagres, tais microrganismos possuem papel fundamental em bebidas como a Kombucha e o Kefir que dispõem de uma microbiota simbiótica com bactérias láticas e leveduras. Nestes casos, todos os compostos metabólitos produzidos ajudam a compor o flavor particular de cada produto.
As reações bioquímicas da fermentação acética consistem na transformação do álcool etílico, produzido previamente por outros microrganismos, em ácido acético e, em alguns casos, gás carbônico. Para que isto ocorra é necessário que haja a presença de oxigênio no processo, motivo pelo qual estas bactérias se multiplicam em maior quantidade na parte superior do vinho que está sendo transformado em vinagre.
Industrialmente, as cepas mais utilizadas pertencem aos gêneros Acetobacter e Gluconobacter, mas para obter um resultado eficaz é preciso que estas bactérias possuam características como: pouca exigência nutritiva, resistência a um elevado teor alcoólico e alta velocidade de transformação do etanol em ácido acético.
Fermentação Malolática
A alteração gerada por esta via fermentativa corresponde à transformação do ácido málico em ácido lático e gás carbônico por meio das agentes fermentadoras deste processo: bactérias láticas pertencentes aos gêneros Lactobacillus, Leuconostoc e Pediococcus. Como consequência, ao final da fermentação, o produto obtido tem sua acidez atenuada consideravelmente, já que a intensidade do ácido lático é bem menor que a do ácido málico.
O principal uso tecnológico deste tipo de fermentação é no processamento de sidras, vinhos tintos e alguns vinhos brancos após a fermentação alcoólica. Como nas regiões mais frias as frutas utilizadas naturalmente contêm um elevado nível de ácidos, seu uso é fundamental para suavizar o paladar.
De modo adicional, as bactérias que promovem este processo também consomem alguns dos açúcares presentes no meio e produzem compostos aromáticos que realçam o aroma característico da fruta utilizada em cada bebida.
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Bebidas fermentadas – Legislação
Após tanto se falar sobre os complexos processos por trás das bebidas fermentadas, é necessário saber que, no Brasil, o órgão que cuida desses produtos é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Logo abaixo, você pode encontrar uma lista com algumas das principais Legislações para ficar ainda mais por dentro desse ramo tecnológico.
- Decreto nº 6.871, de 4 de junho de 2009 – Regulamenta a Lei nº 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, incluindo as fermentadas;
- Decreto n° 8.198, de 20 de fevereiro de 2014 – Regulamenta a Lei nº 7.678, de 08 de novembro de 1988, que dispõe sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e derivados da uva e do vinho;
- Instrução Normativa nº 6, de 3 de abril de 2012 – Estabelece os padrões de identidade e qualidade e a classificação dos fermentados acéticos;
- Instrução Normativa nº 14, de 8 de fevereiro de 2018 – Complementa os padrões de identidade e qualidade do vinho e derivados da uva e do vinho;
- Instrução Normativa nº 16, de 23 de agosto de 2005 – Adota o regulamento técnico de identidade e qualidade de bebida láctea;
- Instrução Normativa nº 34 de 29 de novembro de 2012 – Estabelece a complementação dos padrões de identidade e qualidade para as bebidas fermentadas;
- Instrução Normativa nº 41, de 17 de setembro de 2019 – Estabelece o padrão de identidade e qualidade da Kombucha;
- Instrução Normativa nº 46, de 23 de outubro de 2007 – Adota o regulamento técnico de identidade e qualidade de leites fermentados;
- Instrução Normativa nº 65, de 10 de dezembro de 2019 – Estabelece os padrões de identidade e qualidade para os produtos de cervejaria.
Autoria da redatora do Ifope:
Amanda Pereira Texeira
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