A indústria da carne no Brasil tem grande relevância e importância econômica a nível nacional e mundial. Dentro desse mercado, a carne maturada vem ganhando cada vez mais destaque.

Neste texto, você vai entender o que é a carne, como funciona a maturação, as tecnologias envolvidas no processo, porque maturar a carne representa ganho em competitividade para o país e, ainda, como este assunto pode ser abordado em provas de concurso.

O que é carne maturada?

De maneira geral, a carne maturada é um carne que passa por um processo natural enzimático de amaciamento, denominado maturação, e que não utiliza nenhum tipo de produto químico. Ao maturar a carne, o resultado é uma textura mais macia e suculenta, além de sabor e aroma mais realçados.

Para falar sobre carne maturada, ou carne maturatta, como também é conhecida, é fundamental saber a diferença entre a maturação sanitária e a maturação comercial, que são os dois tipos de maturação.

Os tipos de maturação da carne

Maturação Sanitária

A maturação sanitária ocorre logo após o abate e consiste no acondicionamento das meias carcaças em amplas câmaras climatizadas de resfriamento.

As meias carcaças permanecem nas câmaras por pelo menos 24 horas, em temperaturas que variam de 2,1º até 7,0ºC.

O binômio tempo-temperatura é monitorado sistematicamente e é um dos requisitos fundamentais para a produção da carne.

Esse tipo de maturação tem por finalidade garantir a ocorrência das reações bioquímicas necessárias, promover a qualidade higiênico-sanitária do produto final e atender às exigências internacionais.

É nessa etapa que ocorrem as modificações post-mortem, com conversão do glicogênio em ácido lático e consequente queda de pH, de 6,8-7,3 para 5,4-5,8. A diminuição do pH impede a sobrevivência e o desenvolvimento de grande parte dos microrganismos.

Além do binômio tempo-temperatura e do abaixamento de pH, o arranjo das fibras musculares é primordial na instalação do rigor mortis e consequente transformação do músculo em carne.

Maturação Comercial

A maturação comercial, por sua vez, corresponde a uma modalidade de conservação. Ela consiste na estocagem de cortes cárneos devidamente embalados por um período de tempo que varia bastante, dependendo do método a ser adotado.

A carne é direcionada à câmaras de estocagem sob temperatura padrão de resfriamento, ao redor de 0ºC a 4ºC. Durante a maturação, ocorre naturalmente a degradação proteica, devido à atividade do sistema enzimático da própria carne.

O processo de maturação comercial tem entre suas principais vantagens a melhora considerável da maciez, da coloração e do sabor da carne (características organolépticas e sensoriais). Outro benefício é a diminuição das diferenças de maciez dentro de um mesmo tipo de corte, propiciando a uniformidade dos produtos e, consequentemente, agregando valor diferencial.

Com isso, a maturação comercial leva a uma maior agregação de valor à carne. As tecnologias empregadas na maturação comercial mais comuns na indústria são: maturação por embalagem a vácuo e maturação a seco (conhecida como Dry Aged).

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Como funciona a maturação comercial da carne? As diferenças entre maturação a vácuo e dry aged

Agora vamos explicar como funciona a maturação comercial da carne. Resumidamente, existem dois métodos ou processos: a maturação a vácuo e a maturação a seco, também conhecida como dry aged. A seguir, vamos detalhar como maturar a carne a partir desses dois processos, bem como as vantagens e desvantagens de cada um.

Maturação à vácuo: Wet

A maturação a vácuo, ou maturação úmida (wet em inglês), é um processo em que a carne é embalada a vácuo com o intuito de formar uma película protetora, atuando como barreira contra o oxigênio.

A ausência de oxigênio no alimento inviabiliza o crescimento de microrganismos deteriorantes, principalmente as bactérias aeróbias putrefativas. Dessa forma, dificulta-se a contaminação da carne, aumentando, consequentemente, sua vida de prateleira.

Além disso, a redução de bactérias aeróbias culmina no desenvolvimento das bactérias lácticas. Essas, por sua vez, apresentam função antimicrobiana, inibindo o crescimento de outras bactérias indesejáveis.

Outra vantagem desse método é contribuir para o processo de amaciamento da carne, uma vez que a ausência de oxigênio no alimento favorece a atuação de duas enzimas – calpaínas e calpastatinas – naturalmente presentes na carne. Elas utilizam o cálcio como substrato para atuar na hidrólise de fibras musculares após o rigor mortis.

Também é importante ressaltar os empecilhos dessa técnica. Para que a carne alcance a qualidade e as características sensoriais desejadas, o controle de todas as etapas deve ser minuciosamente acompanhado. Isso porque fatores como o frescor da carne, temperatura (que deve ser mantida entre -1ºC a 4ºC), tempo (14 dias, aproximadamente), ingredientes, pH, higiene, qualidade e materiais utilizados nas embalagens impactam diretamente no resultado do produto final.

Além dos empecilhos na indústria, deve-se considerar os obstáculos relacionados ao consumidor final, já que o odor e a coloração característicos da carne maturada não são agradáveis no momento que a embalagem é aberta.

O tom amarronzado da carne maturada decorre da mioglobina que, na ausência de oxigênio, promove o escurecimento do alimento (FIGURAS 2 e 3). E o odor, forte e semelhante ao cheiro do leite, é natural ao processo de maturação. Entretanto, para leigos, isso pode causar repulsa e a falsa impressão de má qualidade da carne. Por isso, é importante salientar que alguns minutos após a abertura da embalagem, tanto a coloração quanto o cheiro retornam ao normal.

maturação a vacuo Carne Maturada: etapas da coloração

FIGURA 2- Etapas da coloração da carne na presença e ausência de oxigênio. Fonte: charcutaria.org
maturação a vacuo Carne maturada: carne parcialmente marrom-oxidada
FIGURA 3- Carne maturada: parcialmente marrom- oxidada. Fonte: charcutaria.org

Maturação a seco: Dry Aged

Trata-se da técnica na qual os cortes cárneos, com ou sem ossos, são armazenados, sem embalagem protetora, em câmaras frias com ventilação forçada que oscilam entre -1,5° a 4°C, e umidade controlada em torno de 75 a 87% (FIGURA 4).

Essas condições propiciam a ocorrência de reações bioquímicas e enzimáticas naturais.

Diferente da maturação a vácuo, essa técnica proporciona desidratação (a carne pode perder até um terço de água) e escurecimento. O resultado final, porém, é o mesmo: acentuação dos sabores e maior tempo de prateleira.

O tempo de maturação é bastante variável, podendo ser de poucos dias até algumas semanas. No entanto, existem estabelecimentos que deixam os cortes maturarem por até cem dias (FIGURA 5).

maturação a seco Carnes dry-aged - câmara de maturação
FIGURA 4- Câmara de maturação para carnes dry-aged. Fonte: Soluções Industriais
maturação a seco dry aged estágios da maturação da carne
FIGURA 5- Comparação da carne maturada em diferentes estágios: do dia 1 ao dia 70. Fonte: Blog da carne

Para muitos, a dry aged é mais uma arte do que ciência e agrada bastante um público requintado. Frases como “rica e amanteigada”, “superior em sabor e maciez” e “melhoria no sabor e textura” são frequentemente utilizadas para descrever a carne que passou por esse processo quando comparada à técnica de maturação a vácuo. Seu grande diferencial é, portanto, a elevação do nível do produto final. É muito comum encontrar carnes maturadas a seco em casas de carne gourmet e em hotéis e restaurantes de luxo.

No entanto, a enorme variação nos tempos de maturação (não se tem um consenso acerca do tempo ideal) e o rígido controle requerido na temperatura de armazenamento, na umidade relativa e no fluxo de ar são os obstáculos dessa técnica.

Leia também: Carne PSE – o que é e como evitá-la

Carne maturada e o mercado de carnes no Brasil e no mundo

RankingPaísExportação de carne (em toneladas)% da produção global
1Brasil2,53 milhões23,5
2Austrália1,47 milhões13,66
3Estados Unidos1,34 milhões12,41
4Índia1,28 milhões11,88
5Argentina0,81 milhão7,58
6Nova Zelândia0,63 milhão5,90
7Canadá0,51 milhão4,75
8Uruguai0,41 milhão3,81
9Paraguai0,37 milhão3,43
10União Européia0,34 milhão3,24

Como mostra o gráfico acima, o Brasil é o maior exportador de carne bovina em todo o mundo, com mais de 2,5 milhões toneladas exportadas em 2020, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o USDA.

Para dimensionar a importância desse setor, se atente para o fato de que a produção de carne bovina constitui uma das principais atividades da economia do país, gera emprego para cerca de 1,6 milhões de pessoas e conta com nada menos que 215 milhões de cabeças de gado!

É isso mesmo que você leu. O número de bovinos no nosso país é ainda maior que o número de pessoas!

A produção não reflete em faturamento

Em termos de faturamento, o Brasil é o terceiro maior, perdendo apenas para os Estados Unidos e para a Austrália. Mas por que, mesmo com esse volume tão expressivo de produção, o Brasil ainda perde a liderança quando o assunto é faturamento?

Devido ao clima tropical e às condições das pastagens brasileiras, a maioria do rebanho nacional é zebuíno, com destaque para a raça Nelore. Embora esses animais se adaptem melhor às nossas condições climáticas, a qualidade de sua carne é inferior.

Há duas enzimas que interferem na maciez da carne: a calpaína e a calpastatina: enzimas que utilizam o cálcio como substrato. A calpaína contribui para a degradação muscular causando enfraquecimento dessa estrutura e, consequentemente, colaborando com o processo de amaciamento da carne. A calpastatina, por sua vez, apresenta função inibitória da calpaína, impedindo a degradação das fibras. Dessa forma, quanto maiores os níveis de calpastatina no músculo, menores os de calpaína. O resultado disso é uma carne menos macia e suculenta.

Considerando que os zebuínos apresentam altas concentrações de calpastatina e baixas de calpaína, pode-se entender porque sua musculatura oferece maior resistência ao processo de amaciamento durante a transformação em carne.

Aliado a isso, o tipo de criação predominantemente extensiva também contribui para a produção de carnes menos macias e, portanto, menos atrativas para o mercado externo.

Carne maturada tem maior valor agregado

Na era da gourmetização de carnes, em que os açougues estão perdendo espaço para as boutiques de carne, a qualidade é fator primordial para o produto final. Dessa forma, o mercado brasileiro tem procurado se adequar às demandas e solucionar a situação.

A carne maturada foi uma das saídas encontradas, uma vez que o processo de maturação ajuda a melhorar as características sensoriais da carne e agregar valor ao produto, contribuindo para um maior faturamento da agropecuária brasileira.

Carne maturada também cai em concursos públicos

Se você está sempre de olho em concursos públicos, fique ligado, pois o tema carnes maturadas é bastante recorrente em provas de concursos para veterinários!

Agora que você já aprendeu sobre as técnicas de maturação, as vantagens e desvantagens de cada uma, vamos praticar o conhecimento sobre o que foi aprendido?

Abaixo, separamos três questões sobre carne maturada. Responda às perguntas e depois confira as respostas. Aproveite para contar nos comentários quantas acertou!

QUESTÃO 1: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais

IFET 2009: Técnico em Alimentos e Laticínios / Área Carne

Sobre a maturação da carne é correto afirmar:

  1. É um processo de decomposição controlada da carne.
  2. O processo pode durar tempos maiores que uma semana.
  3. As temperaturas são próximas de zero grau, porém o produto não pode congelar durante este processo.

a)  Apenas as afirmativas I e II estão corretas.

b)  Apenas as afirmativas I e III estão corretas.

c)  Apenas as afirmativas II e III estão corretas.

d)  Apenas a afirmativa I está correta.

e)  Todas as afirmativas estão corretas.

QUESTÃO 2: Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRJ 2014: Técnico em Alimentos

A conversão do músculo em carne é acompanhada por uma série de modificações estruturais e bioquímicas que culminam, entre outros fatores, na tenderização da carne. Dentre estas modificações, destaca-se a liberação do ácido lático, responsável também por:

A) inativar catepsinas celulares responsáveis pelo enrijecimento do músculo, especialmente a baixas temperaturas.

B)  neutralizar o pH do músculo, resultando numa carne PSE (“Pale, Soft, Exudative” – pálida, flácida, exsudativa).

C)  minimizar o risco de rancificação oxidativa, característico do processo de maturação de carnes.

D)  auxiliar o processo de contração muscular, considerando sua influência sobre a liberação do cálcio plasmático.

E)  desnaturar proteínas solúveis como a mioglobina, resultando num processo de esmaecimento tecidual.

QUESTÃO 3: Autoria própria

Assinale V ou F:

São justificativas da menor maciez da carne brasileira:

(  ) apresentar rebanho predominantemente zebuíno.

( ) maior atividade de calpaínas e menor de calpastatinas na raça Nelore.

(  ) predominância na criação de gado de corte em sistema de pecuária extensiva.

RESPOSTAS:

1- E

2- E

3-  V | F | V

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Bibliografia Consultada

Autoria da redatora do Ifope:

Thais Figueiredo Pereira