Só quem é mulher sabe os desafios que temos que enfrentar em várias esferas de nossas vidas e, no campo profissional, isso não é diferente.

A faculdade de veterinária

Lembro quando iniciei minha trajetória na Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia (EMEVZ) na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2006. Embora, de uns anos para cá, a Veterinária da UFBA tenha predominantemente mais mulheres que homens (e acho que isso é uma realidade atualmente na maioria dos cursos de Veterinária do país), não é difícil encontrar traços nos dias atuais de uma cultura machista que já foi forte no passado.

Veterinárias formadas na EMEVZ há vinte, trinta anos atrás relatavam que, em turmas de 50 alunos, era comum ter apenas uma, duas ou três mulheres. Dentre essas, as que escolhiam atuar nas áreas de produção animal e clínica de grandes animais sofriam mais preconceito ainda. E, embora quando eu ingressei na EMEVZ existisse uma proporção de cerca de 55% de mulheres contra 45% de homens, todas as colegas com quem convivi e que se interessavam pelo universo da clínica de grandes animais e da produção sofreram muitos preconceitos, tanto por parte de outros colegas quanto por parte de professores e proprietários/produtores.

Preconceito e assédio

Eu mesma sofri um pouco disso na pele. Atuei por 4 anos na área de pesquisa e ensino (2 anos na graduação como bolsista de iniciação científica e 2 anos no mestrado), em estudos que exigiam muitas viagens a campo, em fazendas e feiras agropecuárias, para coletar sangue e amostras de tecidos de caprinos e ovinos. Infelizmente, já ouvi muita piadinha e questionamentos sobre se eu era capaz mesmo de tirar sangue de um bode e até mesmo sofri assédio, com “cantadas” inconvenientes.

Tais situações, principalmente colocando em xeque minha capacidade de exercer determinada tarefa, também se repetiram no laboratório e na apresentação de trabalhos científicos, embora em menor proporção do que quando estava fazendo atividades a campo. Ouvir tais coisas é muito desagradável, porém nunca me deixei desanimar e procurava fazer meu trabalho da melhor forma possível.

A mulher como servidora pública

Pouco antes de defender minha dissertação de mestrado, já havia decido que mudaria de área de trabalho e fui estudar para concursos públicos.

Graças a muito esforço e dedicação, fui aprovada em seis concursos públicos federais e exerci 3 cargos públicos na Administração Pública Federal: Técnico Administrativo do MPU, Analista Administrativo do MPU e Auditor-Fiscal Federal Agropecuário do MAPA.

Por ser servidora concursada, em parte, o preconceito contra a mulher é menor nestes ambientes, porém isso não impede que, vez por outra, algumas situações constrangedoras aconteçam, o que, infelizmente, já é esperado (mas nunca deve ser naturalizado) em uma sociedade naturalmente machista.

Atualmente, exercendo o cargo de AFFA, percebo que muitas vezes, ao ter os primeiros contatos com uma indústria que vou fiscalizar ou até mesmo com outros servidores de carreira mais antigos, o preconceito está velado sutilmente no olhar e na fala.

Talvez tais situações sejam provocadas pelo fato de, durante muitos anos, o quadro do MAPA ter sido composto por homens mais velhos e as pessoas sejam “pegas de surpresa” ao ver uma mulher jovem exercendo uma função de tanto peso. Questionamentos sutis também surgem, mas logo são afastados quando demonstro minha competência.

Combustível para ser uma (mulher) profissional ainda melhor

Tais situações, ao mesmo tempo que se mostram como dificuldades iniciais, são também positivas, pois são combustível para que eu faça meu trabalho com esmero e excelência.

Aprendo e aprendi muito com todos os trabalhos pelos quais já passei, não só conhecimentos técnicos, mas também lições de como me portar diante das dificuldades e dos desafios e que me mostraram o quanto sou forte. Convivo também com outras colegas AFFAs e elas são inspiração para mim. 

No final das contas, ver tudo que vi e passar por tudo que passei só me mostrou como nós mulheres somos fortes, competentes, caprichosas e podemos ocupar qualquer espaço que quisermos.

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“Lugar de mulher é onde ela quiser”.

Ludmilla Sena - Como é ser mulher e ser Auditora Fiscal Federal

Ludmilla Soares Sena é bacharel em Medicina Veterinária pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestre em Ciência Animal dos Trópicos também pela UFBA, com ênfase nas subáreas de imunologia, microbiologia e saúde animal. Foi aprovada em seis concursos públicos federais (Técnico Administrativo do MPU, Técnico Administrativo do TRT-GO, Analista de Gestão Pública do MPU, Analista Administrativo do TRT-BA, Analista Administrativo do TRT-ES e Auditor-Fiscal Federal Agropecuário do MAPA), tendo sido nomeada para três deles (Técnico Administrativo do MPU, Analista de Gestão Pública do MPU e Auditor-Fiscal Federal Agropecuário do MAPA). Atualmente, é Auditora-Fiscal Federal Agropecuária do MAPA, exercendo atividades na área de inspeção e fiscalização de produtos de origem animal em abatedouros de aves e coelhos.