Vivemos em tempos de pseudociência: negação do aquecimento global, movimento antivacina, design inteligente, terraplanismo, dentre outros exemplos. Quando se trata do movimento anti transgênicos, fica ainda mais difícil trazer a luz da ciência ao caso, pois há uma aura de preocupação com a saúde humana e com o meio ambiente que, embora compreensível, não deveria se aplicar ao tema. 

Também, há décadas de propagação de informações falsas, artigos científicos enviesados e uma questão ética quanto aos limites da interferência humana na constituição de outros seres vivos.

Confira aqui quais os principais argumentos utilizados pelo movimento antitransgênicos e por quais motivos eles não se sustentam cientificamente.

“Transgênicos Não São Alimentos Naturais”

Esse argumento possui três principais problemas:

1) A falácia naturalista;
2) A ideia de “alimento natural”;
3) O desconhecimento da relação coevolutiva entre a humanidade e sua comida.

No primeiro problema, apela-se à ideia de que haveria coisas “naturais” e “não naturais”, e mais, tudo o que é “natural” seria, pela sua constituição, “melhor” ou “mais saudável”.

Ora, tudo o que existe está inserido na natureza – genes, substâncias químicas, moléculas tóxicas – e, por isso, não faz sentido tentar estabelecer critérios para decidir o que não faz parte do mundo natural. Também, observando-se animais peçonhentos, patógenos capazes de provocar doenças altamente perigosas e o uso sistemático da violência por diversas espécies, também não faz sentido, tomando-se as ideias humanas como base, pensar que tudo o que se origina da natureza é automaticamente “bom”. 

Nos dois últimos problemas, há o esquecimento de que todas as espécies que consumimos hoje foram altamente modificadas desde o seu primeiro contato com seres humanos, notadamente a partir do surgimento da agricultura, por volta de 10.000 a.C. 

A humanidade, desde então, submeteu diversas plantas e animais a um processo contínuo de seleção em termos de flavor, cor, suculência, dentre outras características, na medida em que optou, por exemplo, em disseminar sementes das fruteiras mais doces, do milho mais fácil de moer ou dos feijões que resultavam em menos casos de intoxicações.

O ser humano se adaptou a seu alimento – através do aumento do número de indivíduos capazes de digerir o leite, por exemplo – e o alimento foi altamente modificado pelos seres humanos, em uma relação coevolutiva muito bem documentada, não existindo algo como “alimento natural”, uma vez que as plantas “não alteradas”, por exemplo, são altamente tóxicas e indigestas para nosso organismo.

 Essa modificação aconteceu através de simples seleção e, mais recentemente, a partir do Melhoramento Genético e da Transgenia que, em última análise, apenas permitem que a humanidade continue alterando sua comida, porém, de maneira muito mais rápida, precisa e econômica.

“Transgênicos Fazem Mal à Saúde”

Décadas e um número expressivo de estudos, mais de 900 em alguns levantamentos, conduzidos para diferentes culturas, em diferentes contextos e com distintos grupos consumidores, não encontraram nenhum efeito adverso dos transgênicos sobre a saúde humana ou animal.

Não há qualquer relação entre consumo de alimentos transgênicos e obesidade, diabetes, autismo, dentre outros problemas de saúde, sendo esse o motivo por que mais de noventa por cento dos cientistas e todas as organizações científicas acreditam que esses produtos são alimentos seguros.

Ainda hoje o movimento antitransgênicos utiliza as “evidências” apontadas em um estudo realizado pela equipe de Gilles-Eric Seralini, na França, segundo o qual ratos de laboratório alimentados com milho transgênico desenvolviam câncer e morriam rapidamente

O que geralmente não se conta é que a comunidade científica encontrou diversas razões para desconfiar da confiabilidade desse estudo. Por isso, duas comissões francesas rejeitaram a pesquisa e pediram um estudo complementar e independente para avaliá-lo, pois o Alto Conselho de Biotecnologia (ACB) não encontrou relação de causa entre os tumores e o consumo do milho e, também, os métodos de estudos foram considerados inadequados e tendenciosos.

Os bilhões de animais criados com alimentos à base de rações de origem transgênica, nos Estados Unidos, não apresentam nenhum problema de saúde e, inclusive, houve melhora do quadro sanitário com o uso dessas plantas na pecuária, como aponta estudo no Journal of Animal Science.

Na verdade, os transgênicos representam grande oportunidade para o desenvolvimento de tecnologias capazes de melhorar a nutrição humana e reduzir os problemas da “fome oculta” através, por exemplo, do cultivo de abacaxi que contém licopeno (antioxidante do tomate) ou da produção de tomates ricos em antioxidantes oriundos do mirtilo.

As possibilidades são infinitas: vegetais mais ricos em nutrientes minerais e proteínas, plantas menos dependentes do uso da agrotóxicos para altas produtividades, grãos com menor desenvolvimento de micotoxinas altamente danosas à saúde humana, variedades adequadas às condições de solo e clima de regiões mais pobres e com problema de fome, etc. 

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“Transgênicos Fazem Mal ao Meio Ambiente”

Existe um medo generalizado de que os transgenes (genes de uma espécie que são inseridos em outra) se disseminem, com efeitos imprevisíveis sobre os seres vivos.

Obviamente, o comportamento complexo dos genes exige controles rigorosos e estudos prévios à sua liberação para a agricultura, o que já é feito segundo os parâmetros dos diferentes países, inclusive no Brasil.

Também, os genes não se transferem espontaneamente entre organismos – com exceção das bactérias que absorvem e incorporam moléculas de DNA dispersas no meio –, de forma que, ao consumir um produto, mesmo transgênico, as suas informações genéticas não serão magicamente integradas ao DNA do consumidor, transformando-o em um mutante.

Na verdade, muitos estudos apontam diversos benefícios ambientais a partir da adoção de cultivos transgênicos

  • a economia em defensivos é altamente significativa (36% para soja, 16-18% para milho e 32% para algodão), ultrapassando 800 mil toneladas de agrotóxicos;
  • a economia de combustível na aplicação resulta, também, em menor emissão de gases poluentes; 
  • maior produtividade em menores áreas, típica dos transgênicos, reduz a pressão por novas áreas, o que economizou 9,9 milhões de hectares a mais no País entre 1998 e 2017.

Embora a preocupação generalizada com os transgênicos seja compreensível, a verdade é que não há razões técnico-científicas para não utilizarmos uma tecnologia capaz de melhorar a qualidade nutricional, a produtividade e os parâmetros sanitários e ambientais de nossos cultivos. 

A solução para essa resistência dos consumidores é a divulgação científica séria, ainda tão limitada em nosso país. Só tirando a Genética do campo do “misterioso”, comunicando à população o trabalho de cada cientista no desenvolvimento de nossos alimentos e saindo dos laboratórios para falar com o público é que conseguiremos desmistificar o tema dos transgênicos e, assim, ganharemos tempo e espaço para as questões realmente séries e perigosas à causa da sustentabilidade.

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Autoria do redator do Ifope:
Elialdo Alves de Souza