A produção sustentável, o consumo consciente e um melhor planejamento da continuidade dos elos nas diferentes cadeias agropecuárias são princípios fundamentais no século XXI, pois englobam uma série de conceitos e práticas que convergem para uma redução da perda e desperdício dos alimentos, tornando-se estratégias para:

  • o arrefecimento das mudanças climáticas em curso;
  • a minimização do risco de colapso ambiental;
  • o combate à fome e à insegurança alimentar.

Quer saber sobre perda e desperdício dos alimentos? Como isso afeta diretamente o nosso futuro? Confira os tópicos abaixo.

Perda e Desperdício dos Alimentos em Números

A Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais anseiam em reduzir a perda e o desperdício dos alimentos em 50% até 2030, pois assim garantiremos maior economia na produção, menores custos e maior disponibilidade de comida acessível e de qualidade – o que é fundamental para vencermos o flagelo da fome, que atinge milhões de pessoas em todo o globo, notadamente nos países em desenvolvimento. 

Previsões e dados, algumas vezes, chegam a ser vergonhosos:

1). De um lado, 800 milhões de seres humanos sofrem o flagelo da fome; de outro, mais de dois bilhões de pessoas estão obesas, principalmente nos Estados Unidos da América (com 87 milhões), China (62 milhões), Rússia (29 milhões), Brasil (26 milhões) e México (25 milhões);

2). O mundo produz calorias suficientes para todos; porém, questões políticas e mercadológicas, maus hábitos de consumo, erros de manuseio e dificuldades regionais resultam em fome, o que torna ainda mais grave o desperdício anual de mais de um bilhão de toneladas de alimentos (24% de toda a produção agropecuária disponibilizada para consumo humano);

3). As perdas em campo, no armazenamento e no processamento somam 520 milhões de toneladas (8% dos alimentos produzidos); nos supermercados, indústrias, mini processamento, armazenamento e manipulação somam 780 milhões (16% dos alimentos produzidos);

4). O nível atual de perda e desperdício dos alimentos, pensados em termos de uso da terra, equivalem a 28% dos solos agricultáveis do mundo;

5). Para acompanhar o crescimento populacional, ainda mais vertiginosa nos países em desenvolvimentos, com os atuais níveis de perda e desperdício, precisaremos aumentar a produção em 60%;

6). O Brasil descarta mais do que o necessário para neutralizar a insegurança alimentar no País;

7). Apenas 25% dos alimentos desperdiçados nos Estados Unidos e na Europa alimentaria todas as pessoas que ainda passam fome no mundo.

Perda e Desperdício dos Alimentos x Segurança Alimentar

Quanto menor a eficiência das cadeias agroindustriais, menos alimentos estarão disponíveis na prateleira ao final do processo, o que resulta em aumento dos preços dos alimentos e afete diretamente os mais pobres.

Os rigorosos critérios aplicados à aparência dos produtos não apenas reduzem o lucro dos agricultores (inviabilizando, muitas vezes, o retorno econômico da atividade), mas fazem com que atravessadores e supermercados descartem inúmeros alimentos nutricionalmente ricos e em boas condições sanitárias – que poderiam ser comercializados, mesmo que a menores valores.

A baixa eficiência no início da cadeia ocorre como resultado do aparato rudimentar da tecnologia nas regiões mais pobres do globo, carentes de estruturas de armazenamento e com modais ultrapassados e desconectados, que aumentam as perdas e os custos no transporte.

Nos países mais tecnificados, em contraste, o consumidor é o principal agente do desperdício, seja por conta da tradição da “mesa farta” (compras e preparações de alimentos em excesso), seja por conta de um armazenamento doméstico inadequado.

Em todo caso, como resultado, perda e desperdício dos alimentos implicam em menor disponibilidade e menor acesso – duas dimensões fundamentais da segurança alimentar.

Perda e Desperdício dos Alimentos x Crise Ambiental

Baixa eficiência na cadeia produtiva implica aprofundamento da crise ambiental, pois quanto maiores a perda e o desperdício mais água, fertilizantes, energia cultural, produtos fitossanitárias e áreas agricultáveis serão demandas por unidade de alimento pronto para consumo nas prateleiras.

Agroquímicos, em regra, demandam energia fóssil, mineração, sintetização de moléculas de alto risco ambiental, etc.; por isso, maior uso dessa produtos invariavelmente aumenta:

  • os riscos de contaminação dos mananciais hídricos;
  • contaminação do solo;
  • liberação de gases do efeito estufa;
  • ocupação de superfície útil do solo;
  • construção de barragens de rejeitos, etc.

Da mesma forma, a agropecuária já compete fortemente com outras atividades humanas por energia, trabalho humano e água, o que exige que, continuamente, aumentemos a eficiência dos sistemas produtivos.

Soluções Agronômicas para a Perda dos Alimentos 

Nos países em desenvolvimento, a perda, desde as fases iniciais até a chegada no varejo, estão relacionadas com fatores gerenciais e técnicos, principalmente na colheita e na pós-colheita. 

Embora precisemos investir em mais especializações na área de pós-colheita, principalmente, para que tenhamos mais Engenheiros Agrônomos melhor preparados para os desafios pós-campo, muitas soluções de baixo custo poderiam ser adotadas imediatamente pela maioria dos envolvidos nas cadeias produtivas.

Por exemplo, estratégias simples de secagem ao sol do semiárido, facilmente adotáveis por agricultores de qualquer nível tecnológico, têm permitido tempo muito maior de prateleira e maior alcance das frutas típicas da Caatinga.

As estratégias de pós-colheita, porém, dependem de um manejo de campo adequado para terem sucesso:

  • tomateiros excessivamente irrigados racham muito mais facilmente;
  • excesso de nitrogênio combinado com baixo nível de fornecimento de cálcio torna os frutos de manga mais suscetíveis ao colapso interno;
  • aplicações excessivas de nitrogênio favorecem a ocorrência de antracnose e outras podridões na pós-colheita; dentre inúmeros outros exemplos.

Além disso, deve-se investir em infraestrutura armazenadora, transporte (especialmente, a diversificação e a integração de modais), disponibilidade de embalagens e práticas mais justas de comercialização, pois preços baixos podem desencorajar os investimentos em práticas minimizadoras de perdas.

Soluções Políticas para o Desperdício dos Alimentos 

A minimização do desperdício passa, principalmente, por políticas públicas focadas no esclarecimento dos consumidores e da sociedade como um todo: precisamos aprender a valorizar o agricultor, os produtos regionais, a qualidade nutricional (para além da aparência imediata); precisamos aprender a pagar o justo preço do trabalho ao invés de sempre querermos sair com vantagem na “barganha”.

Os padrões de consumo precisam ser modificados, o que exige um trabalho conjunto entre a Administração Pública, os profissionais da área e os produtores no sentido de conseguirem estabelecer parâmetros mais científicos como a base dos fatores que levam os consumidores a decidirem na hora da compra. 

A classificação em campo joga fora muitos alimentos que poderiam ser direcionados para mercados especializados em produtos com menor qualidade visual e preços diferenciados ou, ainda, comercializados para agroindústrias locais preparadas para a fabricação de extratos, polpas, sucos, doces, etc. a partir das “sobras” e “descartes”.

No varejo, a preocupação com a satisfação do consumidor também leva os empreendedores a descartarem mercadorias perfeitamente consumíveis, o que demanda, como política pública ou como iniciativa civil, as seguintes soluções: 

1). Esclarecimento sistemático dos clientes a respeito da alta qualidade nutricional e biológica de alimentos considerados “feios”;

2). Incentivo para que varejistas e instituições de caridade recolham e preparem os alimentos sujeitos a descarte para diferentes finalidades: uso nas próprias campanhas de conscientização, caridade, processamento, mini processamento ou venda com fins lucrativos em mercados especiais.

Cabe às escolas, aos órgãos das áreas agrícola e social, à academia e aos profissionais promoverem ampla sensibilização em torno do tema; a discussão restrita ao âmbito de poucas ONGs, organismos internacionais e grupos de pesquisa, como é a realidade atual, não conseguirá transformar os hábitos e práticas por trás da perda e desperdício dos alimentos. 

É preciso ir mais além e incentivar o desenvolvimento de pós-graduações, cursos e treinamentos capazes de formar um maior número de especialistas, mestres e doutores na área, pois, além da mobilização civil e empresarial, a ciência também terá um papel fundamental no desenvolvimento de soluções capazes de elevar a eficiência das cadeias agroindustriais.

Autoria do redator do Ifope:
Elialdo Alves de Souza