Se você é um agrônomo concurseiro que pretende ocupar cargo público, exercer atividades em campo na prestação de serviços de assistência técnica a produtores rurais ou é um pessoa interessada pelo assunto por ser consumidor, prossiga na leitura e compreenda a dinâmica da proibição do produto à base de paraquate e os desdobramentos na agricultura brasileira. 

O que é o paraquate?

O paraquate (monografia P01) é um herbicida, de Classificação toxicológica I – extremamente tóxico, com uso agrícola autorizado até 21 de setembro de 2020.

Esse herbicida era destinado para a aplicação em pós-emergência de plantas infestantes nas culturas de abacate, abacaxi, algodão, arroz, aspargo, banana, batata, beterraba, cacau, café, cana-de-açúcar, citros, couve, feijão, maçã, milho, pastagens, pera, pêssego, seringueira, soja, sorgo, trigo e uva, além de aplicação como dessecante nas culturas de algodão, arroz, batata, cana-de-açúcar, milho, soja e sorgo.

O termo monografia citado anteriormente “é um compilado de informações químicas, contendo os nomes comuns e químico, classe de uso, classificação toxicológica e informações agronômicas, tais como as culturas agrícolas com uso autorizado, e seus respectivos limites máximos de resíduo vigentes (ANVISA, 2017).” Na prática, as monografias rementem aos ingredientes ativos presentes nas formulações dos produtos pesticidas. A sigla alfabética acompanhada pelo número em uma monografia, faz menção à primeira letra do nome do ingrediente ativo e a enumeração do grupo do princípio ativo organizadas em uma lista inserida em um painel para consulta.

Atualmente, existem 12 (doze) produtos formulados e 15 (quinze) produtos técnicos com registro à base de paraquate.

Tais produtos, ao entrarem em contato com a planta na presença de luz, provocam a desidratação das partes verdes do vegetal, proporcionando efeito praticamente imediato. O local de ação do paraquate é o cloroplasto, nos sistemas fotossintéticos das plantas, que absorvem a energia luminosa usada para produzir açúcares (Figura 01). 

Ação do Paraquate
Figura 01 – Ação do paraquate nos cloroplastos (Fonte: Centro de informações sobre paraquate, 2020)

O paraquate é usado, por exemplo, no preparo de área para plantio direto (cultivo sobre a palha), com ação de eliminar as possíveis sementes de plantas invasoras que possam estar sob a palhada. Em plantios de soja, o paraquate também é usado para dessecação das vagens dos grãos para que a lavoura esteja uniforme no momento da colheita. 

A proibição do paraquate

No Voto Nº 056/2017/DIREG/ANVISA, apresentado pelo relator Renato Alencar Porto, revela que os indícios de estudos demonstrando a alta toxicidade aguda e crônica do ingrediente ativo paraquate, desencadeou em 2008, uma reavaliação toxicológica dos produtos técnicos e formulados à base desse ingrediente ativo. 

Em 2009, foi firmado um contrato entre a Anvisa e a Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz para a concessão de uma nota técnica que, em setembro de 2014, teve sua revisão iniciada pela Anvisa. A conclusão dessa nota técnica é que o paraquate se enquadrava em todos os critérios proibitivos de registro relacionados à saúde determinados pela Lei N° 7.802, de 1989. A nota técnica considerou suficiente as evidências da literatura científica relacionadas à intoxicação aguda, mutagenicidade, desregulação endócrina, carcinogênese, toxicidade reprodutiva, teratogênese e doença de Parkinson.

Tomando como fundamento a análise da nota técnica, a Gerência Geral de Toxicologia GGTOX, em 2015, propôs uma consulta pública, sugerindo o cancelamento imediato dos Informes de Avaliação Toxicológica e a suspensão da importação de todos os produtos técnicos e formulados à base do ingrediente ativo paraquate no Brasil. 

Na Consulta Pública Nº 94/2015, discutiram-se parâmetros toxicológicos do ingrediente ativo, especialmente em relação à exposição ocupacional dos trabalhadores que manipulam o produto, à mutagenicidade e ao parkinsonismo. Vale ressaltar que tal sujeição do profissional ao risco, se deve ao não cumprimento das medidas de segurança na manipulação do ingrediente ativo. Segundo a ANVISA, não há comprovação de que o herbicida deixe resíduo nos alimentos.

Em 2016, a GGTOX finalizou a consolidação das contribuições da consulta pública e revisou os aspectos toxicológicos contestados. A partir da análise das contribuições recebidas da Consulta Pública Nº 94/2015, um painel técnico, composto por um grupo de especialistas e instituições, foi criado para as discussões dos dados obtidos na consulta pública. No grupo havia representantes dos órgãos envolvidos no registro de agrotóxicos, como Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (MAPA) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O grupo também foi integrado por especialistas na área de toxicologia e de agronomia vinculados a instituições de referência, além de representantes da Força Tarefa do paraquate.

Em 2017, após a análise dos dados obtidos na consulta, uma resolução foi adotada pela ANVISA que determina o banimento do produto à base de paraquate no setor agrícola. 

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A RDC Nº 177/2017

A Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº 177, de 21 de setembro de 2017 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, portanto, definiu a proibição do uso e afins do herbicida contendo paraquate como ingrediente ativo, tendo como base para tomada de decisão, o resultado do painel técnico. A norma foi editada em 2017 e estabelece a proibição do ingrediente ativo paraquate em produtos agrotóxicos no Brasil e as correspondentes medidas transitórias de mitigação de riscos passaram, então, a ser adotadas (Art. 1º). 

A RDC Nº 177/2017 determina que ficam proibidas, após três anos, contados a partir da data de publicação dessa Resolução:

  • a produção, 
  • a importação, 
  • a comercialização e 
  • a utilização de produtos técnicos e formulados à base do ingrediente ativo paraquate. 

Caso ocorressem evidências científicas que excluíssem o potencial mutagênico do paraquate em células germinativas e que garantissem a exposição negligenciável em todas as etapas de possível contato com o produto, poderiam ser apresentadas para avaliação da Anvisa antes do prazo final estabelecido para a proibição total do produto no mercado (RDC Nº 177/2017, Art. 2º, §1º). No entanto, durante esse prazo de três anos (setembro 2017/2020), na ausência da disponibilização de dados comprobatórios da exclusão do potencial mutagênico e dos malefícios à saúde apresentados anteriormente, não houve auxílio legal para a manutenção da comercialização do produto no Brasil a partir de 22 de setembro de 2020.

Os pedidos de prorrogação dos prazos para que as empresas executassem ou concluíssem pesquisas e estudos foram negados, mesmo estando o Brasil, em situação de enfrentamentos da pandemia da COVID-19 e que fossem esclarecidos pontos de dúvidas apontados na decisão da ANVISA.

Até o dia 22 de setembro de 2020, os produtos à base de paraquate poderiam ser adquiridos e usados, desde que atendessem às condições estabelecidas pela RDC Nº 177/2017 com as disposições transitórias para redução dos efeitos nocivos do paraquate. Para exemplificar umas dessas medidas transitórias de mitigação de riscos, as aplicações costal, manual, aérea e por trator de cabine aberta, prática rotineira nas pulverizações de áreas agrícolas, muito utilizado pelos pequenos e médios produtores, por exemplo, ficaram proibidas desde a RDC Nº 177/2017 como garantia para a proteção do trabalhador. 

Posterior ao anúncio da proibição, houve questionamentos feitos pelos produtores, pelas entidades de classe e pelo MAPA sobre os impactos da proibição no campo e uso dos estoques do produto nas propriedades para uso nas safras 2020/2021.

Uso dos estoques de Paraquate

No dia 08 de outubro de 2020, a Anvisa publicou, no Diário Oficial da União, a Resolução da Diretoria Colegiada 428/2020, que altera a data limite para uso do estoque remanescente de produtos agrotóxicos no país com o ingrediente ativo paraquate.

A importação, produção, distribuição e comercialização dos produtos à base de paraquate, está proibida no Brasil desde o dia 22 de setembro de 2020. Porém, muitos agricultores haviam comprado os produtos e a questão era o que fazer com o estoque presente nas propriedades. 

Após o lobby pelo uso dos estoques remanescentes em posse dos agricultores brasileiros de produtos à base de paraquate para o manejo dos cultivos na safra de 2020/2021, a utilização do produto foi autorizada para aplicação em algumas culturas (Figura 02).

Calendário de uso do paraquate
Figura 02 – Calendário de uso do paraquate (ANVISA, 2020)

Além dessa alteração da data limite para o uso dos estoques remanescentes no Brasil de produtos com o ingrediente paraquate como princípio ativo, a resolução tratou do recolhimento dos estoques dos produtos em embalagens de volume igual ou superior a cinco litros: caberão às empresas titulares dos registros desses produtos, recolher os estoques existentes em posse dos produtores, em um prazo de até 30 dias após o fim do prazo de acordo com o calendário de uso do paraquate nas culturas e regiões.

É importante destacar que existem produtos comerciais alternativos ao uso de paraquate, porém com relatos de produtores de soja de serem produtos com menor eficiência em campo.  De certo modo, a proibição promoverá opções aos manejos de plantas daninhas e estimulará pesquisas no desenvolvimento de produto similar eficiência ao paraquate.

Vale ressaltar, que os produtos agroquímicos só podem ser utilizados mediante prescrição técnica (receituário agronômico) e somente para culturas indicadas na bula do produto. 

Fique atento! O tema agrotóxicos leis e afins bem como a compreensão do mecanismo de ação dos herbicidas nas plantas, podem ser alvo de questões das bancas organizadoras de concursos públicos.

Autoria da redatora do Ifope:
Janaina Canaan Rezende