É crescente o número de indivíduos que excluem de sua dieta a ingestão de glúten.
Bastante difundida nas mídias sociais, a famosa “dieta sem glúten” tem conquistado cada vez mais adeptos devido aos supostos benefícios proporcionados, como a promessa de emagrecimento rápido e a melhoria na saúde e na qualidade de vida.
O mercado tem aproveitado essa onda de novos integrantes ao estilo de vida glúten free para criar produtos para esse público, buscando a fidelização do cliente.
Dados da consultoria internacional Euromonitor apontam um aumento de 30% desse nicho até 2020.
No entanto, é fundamental divulgar à população que o glúten não é prejudicial à saúde quando ingerido por pessoas sem qualquer tipo de restrição a esse componente alimentar.
Apenas os indivíduos que possuem alergia, intolerância ou sensibilidade ao glúten devem aderir à dieta restritiva e devidamente acompanhada pelos profissionais adequados.
Existem legislações?
A questão dos alergênicos e da sensibilidade ao glúten é tão séria que está presente em algumas legislações brasileiras.
A Lei número 10.674, de 16 de maio de 2003, por exemplo, trata da obrigatoriedade da informação sobre a presença ou a ausência de glúten nas embalagens de produtos industrializados.
Já a Resolução da Diretoria Colegiada- RDC número 26, de 2 de julho de 2015, aborda questões da rotulagem de alimentos alergênicos.
Mas, afinal, o que é glúten?
Trata-se de uma mistura de proteínas naturalmente presentes em diversos cereais, como o trigo, a aveia, o centeio, o malte e a cevada.
O glúten é encontrado no endosperma das sementes desses cereais, sendo sua principal função biológica a nutrição dos embriões das plantas.
Na culinária, no entanto, é responsável por conferir elasticidade e aderência durante a fabricação de alguns alimentos populares, a exemplo dos pães, dos bolos e das massas. As proteínas mais comuns do glúten são a gliadina e a glutenina.
Em um indivíduo saudável, a ingestão do glúten não ocasiona quaisquer sintomas gastrointestinais. A enzima transglutaminase quebra a molécula do glúten em diversas partículas, liberando energia para o organismo.
Já em um indivíduo celíaco, a ausência dessa enzima impede a digestão correta do glúten, ocasionando inflamação intestinal e problemas gastrointestinais que o impossibilita de ingerir alimentos que contenham esse componente.
Indivíduos alérgicos ao glúten também apresentam reações sistemáticas, normalmente imediatas, após sua ingestão.
Como é o mercado do glúten?
Devido ao apelo para uma vida mais saudável e às grandes promessas idealizadas pela retirada do glúten da dieta, é crescente o mercado de produtos sem glúten no Brasil.
Além do surgimento de marcas especializadas na fabricação de produtos gluten free, marcas de alimentos consagradas e tradicionais estão buscando se estabelecer nesse nicho a fim de conquistar todo o tipo de consumidor.
Alguns fabricantes já relataram aumento de vendas de até 50% nessas linhas.
E se engana quem pensa que apenas as lojas especializadas em comidas saudáveis estão investindo nesse mercado. Supermercados também têm se interessado por esse público, sendo cada vez mais frequente o número de estabelecimentos adeptos à comercialização desses produtos e também maior o espaço destinado a eles nas prateleiras.
O motivo é bastante simples: maiores rentabilidades.
Enquanto a margem líquida de commodities representa cerca de 5 a 10%, para alimentos sem glúten esse valor sobe para 30%.
Aliado à elevada procura, é fácil concluir que os lucros são consideravelmente maiores. A figura 1 a seguir ilustra a diferença de preços para os mesmos produtos com e sem glúten.
FIGURA 1- Comparação de preços para a mesma classe de alimentos com e sem glúten
De acordo com uma pesquisa realizada pela Euromonitor, o brasileiro está cada vez mais interessado em ingerir produtos sem glúten e sem lactose. Essa tendência está diretamente relacionada ao bombardeamento de informações -muitas vezes errôneas- a respeito do glúten.
Tem sido bastante difundido que o glúten é um vilão na alimentação saudável e, por isso, deve ser substituído na dieta.
Para se ter uma ideia da proporção dessas fake news na vida do consumidor, entre todas as categorias de alimentos funcionais, o glúten apresenta a maior previsão de crescimento no país até o ano de 2022.
A expectativa de aumento nas vendas é de 35 a 40% ao ano. Os gráficos 1 e 2 ilustram como o consumidor tem adotado a dieta glúten free como estilo de vida mesmo sem indicação médica.
GRÁFICO 1- Consumo de produtos sem glúten no país (pesquisa realizada em 2016)
GRÁFICO 2- Porcentagem de indivíduos celíacos e portadores da doença
Mas por que então o glúten tem sido apontado como vilão? Porque essa substância está presente em alimentos que são apontados como inimigos da perda de peso e na busca pela qualidade de vida.
Pães, macarrão, bolos e tudo que leva farinha de trigo na composição realmente podem ser prejudiciais à adoção de um estilo de vida saudável e equilibrado bem como no processo de emagrecimento.
Entretanto, a informação que muitas pessoas desconhecem é que as calorias vazias desses alimentos e os danos à saúde não são consequências da ingestão do glúten, mas sim dos açúcares e outros componentes que apresentam alto índice glicêmico.
Assim, a troca de alimentos por outros glúten free pode não ser nada vantajosa caso o consumidor não se atente às outras substâncias presentes.
É importante salientar que apenas cerca de 1% da população mundial apresenta a doença celíaca (DC) e, portanto, necessita de uma dieta específica e restritiva. No Brasil, esse número é ainda menor: estima-se que apenas 0,16% da população seja celíaca.
Em se tratando de alergia ao trigo (o trigo é o cereal mais relacionado à ocorrência de alergias, uma vez que outas proteínas, além do glúten, são promotoras alergênicas) o índice de afetados é menor que o de celíacos, apesar de não se saber ao certo a porcentagem atribuída a ela.
O que se sabe é que normalmente são os bebês e as crianças os mais afetados. Na adolescência e na vida adulta, a sensibilidade ao glúten e às proteínas do trigo geralmente desaparecem.
O fato é que o mercado acompanha as tendências do momento e a elevada procura por produtos sem glúten é suficiente para ele promover um incentivo a esse tipo de produto.
Cabe ao consumidor, portanto, avaliar a necessidade de seu consumo.
O que dizem as legislações?
A Lei número 10.674, de 16 de maio de 2003, refere-se à obrigatoriedade da informação da presença ou ausência de glúten nos alimentos industrializados.
Assim, de acordo com o Artigo 1o, “todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e bula, obrigatoriamente, as inscrições “contém Glúten” ou “não contém Glúten”, conforme o caso.”
Tem como enfoque os indivíduos que apresentam a doença celíaca e busca alcançar medidas preventivas e de controle dessa doença.
A Resolução da Diretoria Colegiada- RDC número 26, de 2 de julho de 2015, por sua vez, refere-se aos “requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias alimentares”, sendo o trigo, o centeio, a cevada, a aveia e suas estirpes hibridizadas presentes na lista dos principais alimentos alergênicos.
A RDC cita também, em seu artigo 3O, parágrafo IV, o Guia sobre Programa de Controle de Alergênicos, liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e atualizado em 2018, que aborda aspectos dos principais alergênicos presentes na alimentação dos brasileiros.
Vamos aprender as diferenças?
Atenção! É comum confundir doença celíaca com intolerância e alergia ao glúten. Confira a seguir a diferença entre elas!
1- Intolerância e Alergia Alimentar são sinônimos?
Não. A alergia alimentar é uma reação imunológica que ocorre após a ingestão de determinado alimento que, por si só, não é deletério ao indivíduo, mas provoca reação imune, podendo ocasionar sintomatologias intra e extraintestinais.
É geralmente mediada por imunoglobulinas E (IgE) e está relacionada às proteínas do alimento.
Já na intolerância alimentar, a ausência de determinada enzima impossibilita absorção completa do alimento, ocasionando sintomas gastrointestinais.
Um mesmo alimento pode desencadear alergia e intolerância ao individuo, no entanto, os mecanismos são completamente distintos um do outro.
2- Qual a diferença, portanto, entre Alergia ao Glúten, Intolerância ao Glúten e Doença Celíaca?
Doença Celíaca
Trata-se de uma patologia autoimune – o próprio sistema imunológico do indivíduo ataca e destrói tecidos saudáveis do organismo quando entra em contato com o glúten.
Essa reação imunológica anormal no intestino delgado promove inflamação crônica.
Consequentemente, gera problemas na absorção dos alimentos, ocasionando diarreia e desnutrição. A doença celíaca se manifesta em indivíduos que apresentam os genes HLA, DQ2 e DQ8.
Intolerância ao Glúten
Conhecida como sensibilidade ao glúten não-celíaca (SGNC), esta condição ocorre quando o paciente não tolera o glúten e apresenta sintomas semelhantes tanto à Doença celíaca quanto à alergia, entretanto, após exames clínicos e análise médica, ambas as doenças são descartadas.
Acredita-se que a intolerância ao glúten acontece devido à exposição frequente do indivíduo ao trigo e aos cereais.
Alergia ao glúten
A alergia ao glúten normalmente está relacionada à ingestão de trigo.
Ao entrar em contato com esse alimento, o organismo rejeita suas proteínas (não apenas o glúten está relacionado à ocorrência de alergia, mas outras proteínas presentes no trigo também) e o sistema imunológico cria anticorpos Imunoglobulina E (IgE), que são os responsáveis pelos sintomas imediatos ou quase imediatos no individuo.
Entre os mais comuns nessa situação tem-se rinite, asma, urticária, e em alguns casos mais graves, anafilaxia.
É importante ressaltar que a alergia pode ser desencadeada também pela inalação de algum alimento ou bebida que apresente partículas em suspensão no ar.
A alergia ao glúten é muito mais comum em bebês e crianças pequenas, pois ainda não apresentam sistemas imunológico e digestivo completamente maduros. No entanto, uma pequena parcela de adolescentes e adultos pode apresentar esse quadro.
3- Quais os principais alimentos desencadeadores de Alergias e de Intolerâncias?
ALERGIAS:
– Peixes e frutos do mar
– Ovo
– Trigo
– Soja
– Amendoim
– Castanhas
– Leite e seus derivados
– Gergelim
INTOLERÂNCIAS:
– Leite e seus derivados
– Grãos com glúten
– Banana
– Frutas cítricas
– Carnes processadas
– Repolho
– Vinho tinto
– Produtos com corantes
OBS: perceba que na lista dos principais alimentos alergênicos, apenas o trigo aparece como maior preocupante na classe dos alimentos com glúten. Já na lista das intolerâncias, todos os grãos com glúten são relevantes.
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Vamos pôr a prova?
Agora que você já aprendeu tudo sobre o glúten e suas legislações, vamos colocar seus conhecimentos em prática?
Confira abaixo algumas questões de concursos sobre o assunto.
1) Prova: SUGEP – UFRPE – 2018 – UFRPE – Técnico de Laboratório – Alimentos
A doença celíaca é uma afecção progressiva causada em indivíduos geneticamente predispostos, por permanente intolerância à proteína contida no glúten, que, em sua forma clássica, se exterioriza, principalmente através de severas lesões da mucosa intestinal, resultando em variáveis graus de má absorção de nutrientes. São proteínas presentes no trigo que formam o glúten:
a) caseína e glutenina.
b) papaína e luteína.
c) albumina e gliadina.
d) gluteína e albumina.
e) glutenina e gliadina.
2) Prova: IBFC – 2013 – EBSERH – Médico – Alergia e Imunologia (ADAPTAÇÃO)
Julgue o item a seguir:
( ) A gliadina, porção do glúten, é fator determinante da alergia alimentar na doença celíaca.
3) Prova: INEP – 2016 – ENADE – Nutrição
O tratamento fundamental da Doença Celíaca é a exclusão total da dieta de alimentos e seus derivados que contenham glúten. Atualmente, o mercado oferece uma diversidade de produtos isentos de glúten, no entanto, seu custo elevado inviabiliza o consumo para boa parcela dos pacientes celíacos. Como alternativas para estes, há farinhas industrializadas isentas de glúten ou misturas caseiras de farinha sem glúten para receitas saudáveis.
Considerando essas informações, assinale a opção em que se apresenta uma mistura de farinhas que pode ser usada por pessoas celíacas.
a) Fécula de batata, tapioca e cevada.
b) Farinha de trigo, triticale e amaranto.
c) Farinha de arroz, fécula de batata e araruta.
d) Farinha de arroz, polvilho doce e semolina.
e) Semolina, amaranto e trigo sarraceno.
RESPOSTAS:
1) E
2) ERRADO – alergia ao glúten não é sinônimo de doença celíaca
3) C
Autoria da redatora do Ifope:
Thais Figueiredo Pereira
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