Entenda a importância da criação e implantação do Programa de Controle de Alergênicos, quais etapas seguir e os principais pontos críticos de controle.
Confira também neste post a lista dos principais alimentos causadores de alergia segundo a ANVISA.
O direito de todos
A alimentação é um direito de todos, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Para isso, é necessário que a população tenha acesso a alimentos em quantidade e qualidade satisfatórias.
Podemos entender o quesito qualidade como características sensoriais e, principalmente, de segurança dos alimentos. Já que de nada adianta as pessoas terem acesso à comida, se aquilo que elas consomem for uma potencial fonte de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA).
Assista nosso vídeo sobre Doenças Transmitidas por Alimentos
Além disso, os consumidores devem ter o direito de escolher aquilo que for mais conveniente para si. Fazendo com que seja necessário que o Estado intervenha em assuntos que possam ferir esse direito ou até comprometer a saúde de alguém.
O que diz a lei
É por esse motivo que foi publicada a RDC 26 de 2015. Que trata sobre os principais alergênicos presentes nos alimentos e sobre a adoção do Programa de Controle de Alergênicos (PCAL) pelas indústrias.
Para pessoas leigas ou que não tenham problema com nenhum tipo de alimento, a Resolução pode parecer sem utilidade.
No entanto existem graves consequências que podem afetar um indivíduo alérgico caso ele consuma um determinado alimento.
E é aí que está a chave da questão: reduzir a possibilidade de que essas pessoas consumam um alimento que lhe é impróprio, reduzindo o risco à sua saúde.
Parece óbvio que uma pessoa que não possa comer crustáceos não vá nunca pegar um camarão e pôr em sua boca ou comer um salgadinho desse sabor.
Mas, será que ele fará o mesmo e não consumirá um produto industrializado, um ships, cujo sabor é outro totalmente diferente? É bem provável que não. E caso os ships de camarão e de calabresa, por exemplo, sejam processados na mesma linha de produção pode haver uma contaminação cruzada. Fazendo com que aquele indivíduo que não pode comer camarão manifeste sintomas alérgicos que ele ao menos saberá de onde vieram.
É importante ressaltar que dependendo do grau, a alergia pode levar ao choque anafilático e culminar com a morte.
Com isso, é importante que, caso haja adição de um alergênicos ou perigo de contaminação por esses alimentos o fabricante deverá informar no rótulo essa possibilidade para que os alérgicos possam estar cientes do perigo e evitar o seu consumo.
Confira também: 3 Dicas Valiosas para Evitar a Contaminação de Alimentos nos Estabelecimentos
Os principais produtos causadores de alergias
A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 26 de 2015 – estabelece os requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergia, conforme lista abaixo:
- trigo, centeio, cevada, aveia e suas estirpes hibridizadas;
- crustáceos;
- ovos;
- peixes;
- amendoim;
- soja;
- leite de todas as espécies de mamíferos;
- amêndoas (Prunus dulcis, sin.: Prunus amigdalus, Amigdalus communis L.);
- avelãs (Corylus spp.);
- castanha de caju (Anacardium occidentale);
- castanha do Brasil ou castanha do Pará (Bertholletia excelsa);
- macadâmias (Macadamia spp.);
- nozes (Juglans spp.);
- pecãs (Carya spp.);
- pistaches (Pistacia spp.);
- pinoli (Pinus spp.);
- castanhas (Castanea spp.);
- latex natural.
Alimento em que se aplica a Resolução 26
A Resolução se aplica a alimentos, incluindo bebidas, ingredientes, aditivos, aditivos alimentares e os coadjuvantes de tecnologia.
A obrigatoriedade de rotulagem de alimentos contendo alergênicos é aplicada se eles forem embalados na ausência do consumidor, inclusive àqueles que se destinarem à industrialização e aos destinados aos serviços de alimentação.
Informação no rótulo
De acordo com a legislação, os alimentos que contenham algum dos alérgenos citados devem, de acordo com o caso, conter alguma das declarações abaixo.
- alérgicos: contém (seguido dos nomes comuns dos alimentos que causam alergias);
- alérgicos: contém derivados de (seguido dos nomes comuns dos alimentos que causam alergias);
- alérgicos: contém (seguido dos nomes comuns dos alimentos que causam alergias) e derivados;
- alérgicos: pode conter (seguido dos nomes comuns dos alimentos que causam alergias).
A declaração de “pode conter” deve ser utilizada em casos em que não seja possível garantir a ausência de certo contaminante em um determinado produto.
Mas, de acordo com a ANVISA, é uma alternativa que deve ser utilizada somente após a adoção de um Programa de Controle de Alergênicos.
Principais pontos do Programa de Controle de Alergênicos
Como já foi inicialmente dito no tópico acima, a advertência sobre a contaminação cruzada, traduzida pelo “pode conter”, só deve ser feita em último caso para o gerenciamento de riscos após a adoção de um Programa de Controle de Alergênicos (PCAL).
É importante salientar que este programa é de aplicação obrigatória nos casos em que haja perigo de contaminação cruzada com alimentos alergênicos.
E por isso, a ANVISA em 2016 divulgou um guia em que esclarece às indústrias o seu entendimento sobre as melhores práticas para sua implantação.
Segundo o órgão, o programa deve ser focado na identificação e controle dos alimentos que causam alergias e na prevenção da contaminação cruzada dessas substâncias no produto final. O que deve ser feito com base em monitoramento e documentação.
É importante que, antes de tudo, seja definida uma equipe para tomar frente do programa.
Seus integrantes deverão ter conhecimento amplo dos processos produtivos, conhecimento técnico e, de preferência, ser multidisciplinares.
Avaliação da presença de alergênicos nos produtos
Inicialmente é necessário que seja feita uma análise detalhada de todo o processo de produção para que sejam detectados pontos onde possa haver contaminação por alérgenos.
É preciso que essa avaliação seja bem criteriosa e considere:
- todos os produtos que são fabricados na empresa;
- a formulação de cada um dos deles;
- fichas técnicas de matérias-primas e ingredientes.
Esses cuidados devem ser mais criteriosos ainda em estabelecimentos que produzem alimentos que contenham e não contenham alergênicos, uma vez que o risco de contaminação cruzada é real e se medidas não forem tomadas pode comprometer a saúde de muitas pessoas.
Identificação e descrição das etapas críticas para controle
Caso na etapa anterior seja detectado algum ponto em que leve à contaminação cruzada dos produtos com alérgenos, faz-se necessário a identificação de medidas que podem ser implantadas para evitar a presença do alergênico no produto final.
Cada uma das etapas em que houver alguma medida adotada no sentido de evitar a contaminação cruzada deve então ser considerada como crítica dentro do processo e devem ser identificadas no PCAL.
Identificados os pontos críticos, deve ser feito o detalhamento das medidas de controle adotadas.
A ANVISA recomenda a elaboração de Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) para cada uma das medidas de controle implantada na empresa.
Nesses POP devem estar contempladas as medidas corretivas no caso de ocorrerem falhas durante a rotina.
Leia também: Procedimento Operacional Padrão em Alimentos – O que é e Como Montar
Principais medidas do Programa de Controle de Alergênicos
Alguns aspectos são fundamentais para controlar a contaminação cruzada:
Matéria-prima e ingredientes
Pelo fato de as matérias-primas e ingredientes serem potenciais fontes de alergênicos, muita atenção deve ser dada a esse tema.
Nesse sentido deve-se estar atento aos fornecedores desses produtos. Se eles realizam o controle de alergênicos e se avisam à indústria quando há mudança em alguma das fórmulas.
Durante o recebimento de matérias-primas e ingredientes deve ser observado se aquilo que se recebe é o que está especificado no Programa de Controle de Alergênicos.
Para isso, é preciso desenvolver procedimentos que visem eliminar os riscos de recebimento incorreto de produtos e/ou contaminação cruzada, principalmente em relação a produtos em pó, que se dispersam no ambiente facilmente.
O armazenamento de matérias-prima e ingredientes também deve ser alvo de controle.
O ideal é que alimentos alergênicos sejam armazenados em ambientes separados dos não alergênicos.
Caso a quantidade seja pequena, é possível fazer a separação por meio de embalagens ou contêineres herméticos.
De qualquer forma, a identificação dos diferentes tipos de alimentos é necessária para que a distinção seja fácil durante a rotina de trabalho.
Processo produtivo
O modo de produção pode favorecer muito a contaminação cruzada.
O ideal é que alimentos contendo alergênicos fossem manipulados em área diferente daqueles sem.
Quando isso não é possível, pode-se utilizar linhas de produção separadas, barreiras técnicas e outras medidas de controle.
O modo como é planejado o fluxo de produção, por exemplo, possibilita o controle da contaminação cruzada.
Se uma indústria produz na mesma linha alimentos com e sem alergênicos, é indicado como medida de controle que os produtos que não tenham alergênicos estejam no início da produção, seguido do alimento que tenha apenas um alergênico, depois aquele que tem dois alergênicos e assim por diante.
Outra alternativa é concentrar em um só momento a produção de alimentos com alergênicos e após terminado o processo realizar a higienização completa dos equipamentos.
Durante a produção, as instalações, equipamentos e utensílios podem também colaborar com a contaminação cruzada se não forem adotadas medidas de contenção.
Se possível deve-se utilizar equipamentos em circuito fechado, caso sejam fabricados na mesma área alimentos com e sem alergênicos.
E no caso de utensílios, deve-se providenciar identificação, por cores diferentes, por exemplo, para separar durante a produção. Além disso, a ventilação do ambiente deve ser de tal forma que não contribua com a dispersão de partículas.
Funcionários da produção e outros colaboradores
As pessoas também podem ser veículo de contaminação cruzada. Por isso, a movimentação de funcionários deve ser controlada.
Se houver separação de linhas de produção, uma medida que deve ser adotada é a identificação de uniformes de funcionários das diferentes áreas.
Outra opção é a troca de uniformes e a higienização das partes do corpo que tiverem entrado em contato com alergênicos.
O treinamento é outro ponto que merece destaque.
Todos os funcionários devem ser orientados sobre as precauções para evitar a contaminação cruzada. Em especial aqueles que exercem atividades que estejam relacionadas com as medidas de controle do PCAL.
Leia o artigo Gestão de Pessoas na Indústria de Alimentos: O que é e Como Fazer
Higienização das instalações, equipamentos e utensílios
A higienização é ponto chave em qualquer medida que vise o controle da contaminação cruzada.
Por isso, é importante que os utensílios relacionados a este fim e que são utilizados na área que se produz alimentos com alergênicos sejam separados daqueles de áreas onde se produz alimentos sem alérgenos.
Deve-se também evitar o uso de jatos de água que podem favorecer a dispersão de partículas. Além de favorecer o uso da limpeza úmida em detrimento à seca.
Embalagem e rotulagem
Deve ser checada a composição do material da embalagem utilizada nos produtos, uma vez que algum componente que seja alergênico pode estar ali e ser passado para o alimento durante o armazenamento.
A rotulagem deve ser a mais correta possível e se possível usar um código de cores para fazer a separação entre alergênicos e não alergênicos.
Armazenamento e transporte
O raciocínio aqui é o mesmo utilizado no armazenamento de matérias-primas. Separar produtos acabados com alergênicos dos sem alergênicos.
Reprocessamento de produtos
Ao se reprocessar um produto com alergênicos deve ser empregado apenas em outros alimentos que também contenham aquele alérgeno.
Monitoramento do Programa de Controle de Alergênicos
Como em todo programa de controle, é necessário o monitoramento.
As planilhas são ótimas aliadas nesse momento e devem ser analisadas de tempos em tempos para verificar a necessidade de revisão do PCAL.
Reavaliação do Programa de Controle de Alergênicos
Deve ser realizada sempre que:
- novos produtos forem adicionados ao portfólio da empresa;
- produtos tiverem mudanças na formulação;
- e houver alterações no processo produtivo.
Validação do Programa de Controle de Alergênicos
Após todo o desenvolvimento e implantação do PCAL, a empresa pode fazer a validação das suas medidas de controle por meio de métodos analíticos.
Tanto para comprovar a efetividade de suas medidas, quanto para dizer que não é capaz de eliminar a contaminação cruzada do processo e nesse caso poder colocar no seu rótulo o “pode conter”.
A escolha da metodologia vai depender de cada tipo de alergênico a ser pesquisado, do limite de detecção dos métodos e deve ser discutido com especialistas da área.
Documentação do Programa de Controle de Alergênicos
A documentação do PCAL se faz necessária e deve conter algumas informações importantes:
- resultado da análise indicando a presença ou ausência de alérgenos nos produtos;
- pontos críticos do PCAL assim como a descrição das medidas de controle;
- conteúdo de treinamento dos funcionários;
- planilhas de monitoramento;
- principais falhas de processo e ações corretivas;
- situações em que reavaliação do Programa se faz necessário;
- resultados da validação do Programa;
- rotulagem dos alimentos que causam alergias alimentares.
Como um tema atual e de importância em saúde pública, o controle de alergênicos deve ser adotado pela empresa a fim de garantir os direitos do seu consumidor.
Como está a implantação do Programa de Controle de Alergênicos na sua empresa? Tem alguma dúvida? Compartilhe com a gente!
por Andréa Guicheney
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