A escolha da profissão
Eu me lembro até hoje como escolhi ser engenheira de alimentos. A verdade é que a gente escolhe a profissão cedo demais. Eu estava no 3º ano colegial, tinha 17 anos, e o vestibular estava se aproximando.
Meus pais começaram a me questionar qual curso eu iria prestar e eu não fazia a mínima ideia, ainda. O sonho do meu pai era que eu fizesse Direito – sempre fui uma pessoa muito questionadora, gostava de argumentar e desafiar, e, provavelmente meu pai enxergava em mim algum talento para o Direito. Mas eu não suportava a ideia: naquela época, eu também era uma adolescente muito passional e não conseguia enxergar isso como uma qualidade para a profissão. No fundo, eu queria a área de exatas e a Engenharia.
Foi quando meu pai me comprou o Guia do Estudante (quem viveu nos anos 80/90, sabe do que eu estou falando) para que eu pudesse ler a respeito das profissões e entender melhor o mercado de cada uma delas.
Engenharia de alimentos foi paixão à primeira vista – e até hoje, eu nunca me arrependi da minha escolha.
O início da carreira como Engenheira de alimentos
A Universidade foi uma experiência maravilhosa e, logo após a formatura, eu já comecei a trabalhar na indústria de alimentos – era o meu sonho. Eu queria colocar a mão na massa, ir para a prática e não ficar apenas na teoria.
Foram 10 anos trabalhando diretamente na indústria, nas áreas de produção, qualidade e pesquisa & desenvolvimento – eu me sentia completamente realizada. Lembro que por muitas vezes, em conversas com amigos, eu repeti a frase “tenho muito orgulho de conseguir me sustentar na profissão que eu escolhi”.
Foi sempre fácil? Claro que não!
Todos nós passamos por desafios na nossa profissão, passamos por momentos desanimadores e pensamos em desistir. Isso aconteceu comigo diversas vezes.
A indústria de alimentos nem sempre é um ambiente fácil – o engenheiro de alimentos se relaciona com todas as áreas da companhia e o jogo de cintura é necessário.
Apesar de não sermos profissionais da saúde, independente da área em que estamos atuando, no fim das contas sempre trabalhamos com a segurança de alimentos – alimento nutre, mas pode também matar e causar danos graves à saúde do consumidor. A nossa responsabilidade é enorme, em qualquer cargo, área ou posição.
Em cada empresa que trabalhei, eu enfrentei um desafio diferente e foram muitos!
Me lembro, por exemplo, do meu primeiro emprego numa fábrica de camarão. Chegar lá, no interior da Bahia, já foi uma super aventura. Mas quando comecei supervisionando um dos turnos de produção, me deparei com cerca de 100 mulheres no chão de fábrica que faziam a seleção, limpeza e classificação dos camarões – já imaginou trabalhar com 100 mulheres em um único turno de produção?
Hoje muito se fala de construção de comunidades nas redes sociais, mas isso já existia naquela época – aquilo era uma comunidade e elas se ajudavam, e brigavam também! E, como supervisora de produção, já tive que separar algumas brigas!
Meu segundo emprego, em um determinado momento, me colocou frente a frente com presídios – eu dava treinamento de boas práticas de manipulação em presídios, para as cozinhas terceirizadas instaladas nestes locais. Outra realidade, outra vivência, outra reconstrução de valores.
Os desafios
Adequações ao ambiente fabril, às diferentes realidades e vivências e às culturas organizacionais e enfrentamento das crenças limitantes de que não somos capazes ou não aprendemos tudo o que deveríamos na faculdade (alô síndrome da impostora!): sim, eu passei por tudo isso, como todos passam – mas o lado positivo sempre falou mais alto.
Sempre houve um aprendizado e isso me manteve motivada.
Construí e me reconstruí, diariamente, ao longo desses 21 anos de profissão.
O maior desafio
O meu maior desafio aconteceu após os 10 anos de indústria quando a minha vida deu um giro de 180 graus e eu, já mais madura, virei auditora.
A maturidade nem sempre nos livra de umas enrascadas. Uma das minhas primeiras experiências como auditora foi terrível…
Me colocaram para observar um veterano em um transbordo. Trans o que? “Só vai, é alimentação animal” – fui de calça social risca de giz, blusa preta e um escarpim com salto pequeno.
Ao chegar no local, me disseram “toma seu capacete e óculos de segurança”. Ótimo, mas e o sapato de segurança? Não pedi, fiquei com vergonha.
Fui ao local onde o produto era recebido, em barcaças pelo rio – nossa, muito legal; e agora? “O produto vai pro armazém – vamos acompanhar o percurso”. Mais de 10 metros de altura numa passarela gradeada. Eu, na ponta do pé, como uma bailarina, por causa do salto.
No armazém, pela porta superior, tenho uma visão geral do armazém e do produto. Hora de ir – como desce? Escada marinheiro. Quase 2 horas depois, piso em chão firme imunda, mas inabalável. Eu percebia o riso preso nas pessoas que me acompanhavam. Aprendido e anotado: um jeans teria sido melhor. Não erro NUNCA mais!
O grande aprendizado
Até eu pegar o jeito da profissão, seja como engenheira de alimentos na fábrica, como consultora ou como auditora, eu “fingi” muito costume.
“Finja até se tornar” – essa frase da Amy Cuddy ficou famosa e sua palestra no TED tem 58 milhões de visualizações (recomendo que você assista). A verdade é que confiança se aprende e se ganha pela prática! Só não podemos desistir!
Virgínia Mendonça – Engenheira de Alimentos | Coordenadora Técnica | Especialista em Segurança de Alimentos | Auditor Food Safety
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