Com as mudanças nas legislações e o maior rigor do mercado consumidor – sejam clientes internos ou externos – o desafio hoje é manter-se atualizado sobre todas as exigências sanitárias nas etapas que envolvem o abate e o processamento da carne bovina.
Vamos dar os primeiros passos e entender mais sobre abate de bovinos? Aproveite a leitura!
O que é abate de bovinos?
O abate é definido pela Portaria 365 (2021) como o processo intencional que provoque a morte de um animal, no âmbito de estabelecimentos regularizados pelos serviços oficiais de inspeção, cujos produtos são destinados ao consumo humano ou para outros fins comerciais. Para garantir que as etapas que antecedem a morte do bovino no frigorífico sejam livres de dor e sofrimento do animal, devemos citar a legislação em vigor sobre o abate humanitário dos animais de açougue.
Ainda de acordo com a Portaria 365 do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), define-se como Procedimentos humanitários de manejo pré-abate e abate o conjunto de operações baseadas em critérios técnicos que assegurem o bem-estar dos animais desde o embarque na propriedade de origem até o momento do abate, evitando dor e sofrimento desnecessários.
Resumindo: os cuidados com o bem-estar do bovino devem ser rigorosos até a morte do animal, que se dá através da sangria, isto é, pelo choque hipovolêmico (perda do sangue).
A padronização das técnicas, das instalações e equipamentos de abate de bovinos está descrita no Manual publicado pelo MAPA e serve como referência para o funcionamento dos estabelecimentos. É importante ressaltar que as legislações estão em constante atualização, portanto sempre devemos conferir as últimas legislações publicadas para ver se houve alguma alteração. No caso do abate de bovinos, o disposto no Decreto n° 10.468, de 18 de Agosto de 2020 e na Portaria 365, publicada em 16 de Julho de 2021 também deve ser consultado.
O Decreto n° 10.468 (2020) é a mais recente atualização do RIISPOA (Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal) e a Portaria 365 especifica e aprova o Regulamento Técnico de Manejo de Pré-abate e Abate Humanitário, assim como métodos de insensibilização determinados pelo MAPA e revoga a IN nº 3 (2000).
Quais são as etapas do processo de abate de bovinos no frigorífico?
Desde a recepção dos animais até a expedição do produto final, são diversas etapas para que o músculo animal se transforme em alimento.
Vamos descrever de modo sucinto cada uma delas.
1. Recepção dos bovinos
A recepção deve assegurar que os animais não sejam acuados, excitados ou maltratados.
Os animais devem ser conduzidos com cuidado e os bretes e corredores por onde os animais são conduzidos devem ser concebidos de modo a reduzir o mínimo de ferimentos e estresse. Após a separação dos animais nos currais de chegada e seleção, é interessante que os animais passem por uma limpeza inicial (utilizando mangueiras ou aspersores) para diminuir o estresse e iniciar a limpeza dos animais, que será concluída nos chuveiros de aspersão antes da sala de matança.
Os bovinos devem permanecer em repouso e em jejum antes do abate. O jejum tem como objetivo esvaziar o trato gastrointestinal do bovino, reduzindo os riscos de contaminação da carcaça. A dieta hídrica diminui o estresse do animal e facilita a esfola (retirada do couro).
O descanso dos animais é fundamental para a diminuição do estresse gerado pelo transporte e recuperação das taxas de glicogênio no músculo, evitando assim desvios de qualidade durante a transformação do músculo em carne. De acordo com o artigo 103 do RIISPOA, é proibido o abate de animais que não tenham passado pelo descanso, jejum e dieta hídrica, sendo que esses processos também minimizam a contaminação das instalações e equipamentos durante o abate.
2. Inspeção ante mortem
Etapa em que o serviço oficial executa o exame visual e a conferência das documentações do lote a ser abatido. Caso o médico veterinário encontre alguma alteração, os animais são enviados aos currais de observação, onde é realizado exame clínico mais detalhado e o animal pode ser encaminhado para matança de emergência.
3. Banheiro de aspersão e rampa de acesso à sala de matança
Ao serem encaminhados para a sala de matança, os bovinos devem receber um banho de aspersão com água em quantidade suficiente ou processo semelhante, de modo a reduzir a excitação dos animais, promover a vasoconstrição sanguínea periférica e vasodilatação interna, de modo a facilitar o processo de sangria. Além de limpar a pele dos animais para assegurar uma esfola higiênica (sobretudo das extremidades, cascos e região perianal), diminuindo a contaminação na sala de abate.
A rampa de acesso deve ter um aclive de 13 a 15% e ir afunilando conforme chega à entrada da sala de abate, garantindo que passe apenas um animal por vez no box de insensibilização.
4. Insensibilização dos bovinos
Também chamada de atordoamento, essa etapa do abate submete o animal ao estado de inconsciência e insensibilidade. Um dos métodos utilizados em bovinos é através do uso da pistola pneumática de dardo cativo penetrante ou não penetrante, com o animal contido em um box de metal.
O método utilizado deve garantir a manutenção dos batimentos cardíacos o que garante uma boa eficiência na etapa seguinte, a sangria.
Você conhece como é realizado o monitoramento da insensibilização em bovinos na linha de abate? Vamos para um teste rápido? Responda Verdadeiro ou Falso para as alternativas abaixo de uma questão de concurso adaptada da FUNDEP/2019:
( ) Os bovinos insensibilizados de forma eficiente não vocalizam, não exibem reflexo palpebral ou corneal, apresentam mandíbula relaxada e com língua exposta e membros torácicos e pélvicos retos, não sendo permitido movimentos de pedalagem não coordenados.
( ) Os bovinos insensibilizados de forma eficiente vocalizam, não exibem reflexo palpebral ou corneal, apresentam mandíbula relaxada e com língua exposta e membros torácicos, sendo permitido movimentos de pedalagem não coordenados nos membros pélvicos.
Vamos às explicações. A insensibilização adequada do bovino passa por duas fases: a fase tônica seguida da fase clônica.
Para auxiliar na resolução da questão, vamos à algumas definições:
- Fase tônica – perda da consciência e queda imediata do bovino após o procedimento de insensibilização; musculatura contraída; flexão dos membros traseiros e extensão dos dianteiros; ausência de respiração rítmica; pupila dilatada (midríase); ausência de reflexo corneal (olhar fixo e vidrado); mandíbula relaxada e língua solta (protrusa); ausência de vocalização; ausência do reflexo de endireitamento da cabeça e tentativa de recuperar a postura; ausência de reflexo de sensibilidade a estímulos dolorosos (avaliados principalmente na narina e língua)
- Fase clônica – espasmos musculares, sendo comum movimentos não coordenados dos membros posteriores (coices e pedaleios); relaxamento gradual da musculatura.
Portanto, as duas alternativas são falsas, a vocalização não pode ocorrer e os movimentos de pedalagem podem acontecer na fase clônica da insensibilização.
5. Sangria dos animais
Já insensibilizado, o bovino entra na praia de “vômito”, onde é erguido pela pata traseira e passa pelos chuveiros para retirada do conteúdo que escorre da boca. A sangria é realizada no máximo 1 minuto após a insensibilização pela incisão dos grandes vasos que emergem do coração (artérias carótidas e artérias vertebrais) de modo a provocar um rápido, profuso e mais completo possível escoamento de sangue. O tempo mínimo de duração da sangria é de 3 minutos, período no qual não pode ser realizada nenhuma manipulação no animal.
A retirada das orelhas ocorre ao final da canaleta de sangria, seguida da serragem dos chifres. A retirada dos mocotós dianteiros pode ocorrer ainda na área de sangria ou no início da plataforma de esfola.
6. Esfola
Nessa etapa do abate ocorrem várias operações que são iniciadas pela retirada do couro (esfola = separação do panículo subcutâneo) que pode ser realizada, tanto por equipamentos para tração do couro quanto por trabalho manual através de facas.
São realizadas a esfola do traseiro, dianteiro, lateral da carcaça, e da cabeça, assim como a retirada dos mocotós traseiros e dianteiros (quando esses não são retirados ao final da sangria), retirada do úbere (fêmeas) ou vergalho (machos) e a oclusão do reto.
7. Desarticulação da cabeça
No início da área limpa das operações de abate, há a desarticulação da cabeça, a abertura do cupim e separação da cabeça do pescoço. Somente após a oclusão do esôfago ocorre a retirada da cabeça. As oclusões do reto e esôfago são realizadas para evitar a contaminação da carcaça com conteúdo gastrointestinal. Após a retirada da cabeça, o conjunto cabeça e língua segue para inspeção e ocorre a serragem do peito e abertura da cavidade torácica para evisceração.
8. Evisceração
Corresponde à retirada dos órgãos internos da carcaça separando as vísceras brancas (trato gastrointestinal) das vermelhas (coração, pulmão, etc). Deve ser feita de forma cuidadosa, de modo a evitar o rompimento dos órgãos e contaminação da carcaça.
As vísceras são acondicionadas em bandejas e seguem para a inspeção post mortem.
9. Inspeção post-mortem
Nessa etapa ocorre o exame macroscópico das vísceras torácicas, abdominais, pélvicas, dos lados externos e internos da parte cranial e caudal da carcaça e dos linfonodos.
As linhas de inspeção obedecem uma sequência, descrita na tabela abaixo:
Linhas de inspeção post mortem no abate de bovino
A | Exame dos pés (estabelecimentos exportadores) |
B | Exame do conjunto cabeça-língua |
C | Cronologia dentária |
D | Exame do trato gastrintestinal, baço, pâncreas, bexiga e útero |
E | Exame do fígado |
F | Exame dos pulmões e coração |
G | Exame dos rins |
H | Exame dos lados internos e externos da parte caudal da meia carcaça e seus linfonodos |
I | Exame dos lados internos e externos da parte cranial da meia carcaça e seus linfonodos |
J | Carimbagem |
Leia também: Inspeção post mortem: o que é, como é realizada e a importância desse processo
10. Serragem das meias carcaças
O corte para formar meias carcaças é realizado por serras elétricas seguindo o cordão espinhal da carcaça. As serras são higienizadas a cada corte em esterilizadores próprios. Após a serragem das carcaças são retirados e inspecionados os rins e é realizado o toalete das meias carcaças, que consiste na retirada através do uso de facas do excesso de gorduras, coágulos sanguíneos e contusões, além do diafragma e a medula espinhal.
11. Refrigeração
Após a divisão, as meias carcaças são carimbadas, pesadas e lavadas com jatos de água à temperatura de 38°C, com o objetivo de retirar esquírolas ósseas, excesso e manchas de sangue e coágulos. Em seguida são encaminhadas para a refrigeração e a temperatura da musculatura deve atingir no máximo 7°C antes de seguir para a expedição.
De acordo com a Portaria n°304 de 22 de abril de 1996, os estabelecimentos de abate de bovinos somente poderão entregar carnes e miúdos para comercialização, com temperatura de até 7°C.
É importante ressaltar que durante o processo de abate são utilizados parâmetros para classificação das carcaças e esses estão descritos na IN n° 9 de 4 de maio de 2004 do MAPA.
Os parâmetros são:
- sexo;
- maturidade;
- peso da carcaça;
- e acabamento da carcaça (distribuição e quantidade de gordura de cobertura em áreas diferentes da carcaça).
Esse sistema de classificação é de caráter obrigatório em estabelecimentos sob regime de Inspeção Federal (SIF).
Outra obrigatoriedade vigente e também muito importante é a exclusão da produção de farinha de carne e ossos (graxarias) dos seguintes materiais considerados de risco específico para a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB): encéfalo, olhos, medula espinhal de bovinos e bubalinos com idade igual ou superior a 30 meses e as amídalas e a parte final do intestino delgado (íleo – 70 cm) de bovinos e bubalinos de qualquer idade. Esse assunto pode ser consultado no Memorando CGI/DIPOA n° 8/2017 e no Memorando CGI/DIPOA n° 001/2007.
Aqui demos uma pincelada em alguns itens básicos do abate. Para você, que é profissional da área, o IFOPE oferece diversos cursos, tanto de capacitação e pós-graduação, quanto preparatórios para concursos públicos. Confira as oportunidades clicando aqui e mantenha-se atualizado. São diversos cursos preparatórios focados em funções específicas para você se tornar um especialista referência na sua área.
Quais os fatores que podem influenciar na qualidade da carne?
Alguns fatores são determinantes para a qualidade da carne ao final do abate sendo importante o controle de cada um deles para a obtenção de resultados satisfatórios que atendam às exigências do mercado e reduzam possíveis perdas ocasionadas pelos defeitos de qualidade.
Nesse contexto, vamos citar alguns deles:
1 Estresse do animal e declínio do pH: o estresse ao qual o animal é submetido antes do abate pode interferir consideravelmente no tempo do declínio do pH da carne, caracterizando um rigor mortis atípico com grandes prejuízos na qualidade da carne. Aqui, o problema mais conhecido é a carne DFD. |
2 Genética: pode influenciar na maciez e na cor da carne. As raças também diferem quanto à curva de crescimento dos tecidos e, consequentemente, ao menor ou maior acúmulo de gordura, ou ainda, quanto ao peso e espessura dos músculos ou cortes cárneos a um determinado peso de carcaça. Essas características são interligadas aos atributos visuais e organolépticos da carne. |
3 Alimentação: o excesso da gordura de cobertura tornou-se um importante indicador de qualidade e afeta diretamente na velocidade de resfriamento da carcaça, comportando-se como um isolante térmico e interferindo no processo de conversão do músculo em carne. |
4 Idade ou maturidade: quanto mais velhos, maior será a concentração de mioglobina nos músculos e, portanto, mais escura será a carne. A cor da gordura também é afetada pela idade de abate, ficando amarelada como decorrência da deposição prolongada de carotenóides oriundos das forragens, no caso de bovinos com alimentação à pasto. |
5 Resfriamento: o abaixamento rápido da temperatura dos músculos, no início do desenvolvimento do rigor mortis, pode provocar o endurecimento da carne. Esse fenômeno é denominado “cold shortening” (encurtamento pelo frio). |
6 Estimulação elétrica: a estimulação elétrica (EE) das carcaças, com aparelhos de baixa voltagem, nos primeiros 10 minutos após a sangria, ou com altas voltagens na primeira hora post mortem, constitui uma técnica com o objetivo de tornar a carne mais macia. |
7 Maturação: a maturação é um processo complexo, afetado por muitas variáveis, tais como a idade e raça do animal, velocidade de glicólise, quantidade e solubilidade do colágeno, comprimento do sarcômero das miofibrilas, força iônica e degradação das proteínas miofibrilares. Há evidências de que a maturação pode melhorar em cerca de 25% a maciez da carne, mas sua eficácia é bem menor em carcaças de bovinos de quatro anos ou mais, bem como naquelas que sofreram um rigoroso “cold shortening”. |
Fonte: FELÍCIO, P.E. Fatores que influenciam na qualidade da carne bovina. In: A. M. Peixoto; J. C. Moura; V. P. de Faria. (Org.). Produção de Novilho de Corte. 1.ed. Piracicaba: FEALQ, 1997, v. Único, p.79-97.
Por fim, vale ressaltar que o processo de abate de bovinos envolve o controle de diversas variáveis, como uma teia de fatores que interagem até horas após o término do abate.
Garantir a qualidade do produto final é um desafio para o profissional da área!
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Autoria da redatora do Ifope:
Tereza Abujamra
boa tarde
alguem poderia me informar qual a correlação entre numero de animais e fiscais(102) ou velocidade de abate e fiscais (102) .
existe alguma legislação especifica que fala sobre quantidade de agentes de inspeção?
desde já agradeço
Boa tarde, gostaria de saber quanto a condena de carcaça no frigorífico, quem arca com o prejuízo o produtor ou o comprador, visto que o gado foi pago peso vivo na propriedade?